Os Interpol regressaram ontem a Portugal, pouco mais de um mês depois de visitarem Coimbra para fazer a primeira parte do teatro megalómano dos U2. Sim, aquele que esgotou estádios vezes seguidas, com bilhetes comprados por preços exorbitantes depois de noites dormidas ao relento, com tanto tempo de antecedência que houve espaço para divórcios, acidentes, casamentos, nascimentos, mortes e tudo mais, antes dos concertos finalmente acontecerem.
É claro que o cenário desta noite de 12 de Novembro no Campo Pequeno foi bem diferente. Além de a sala ser bem mais pequena, encheu só para ver os norte-americanos, naquele que foi o seu primeiro concerto em nome próprio por terras lusas depois da saída do baixista Carlos D. E porque “Pace Is The Trick” – são eles que o dizem numa das faixas de Our Love to Admire, álbum que antecede o auto-intitulado de 2010 e que se esforçam agora por apresentar –, parece unânime entre os seguidores da banda que o baixista vai deixar saudades.
Outra coisa que tem sido unânime é que o já referido Interpol “custa a entrar”, como ouvi dizer mais do que uma vez na plateia antes do concerto começar. E o mais surpreendente é que a teimosa crítica musical parece subscrever esta opinião.
Confesso que toda esta falta de boas referências fez com que adiasse a primeira audição do novo disco até à véspera do concerto. Cheguei primeiro a pensar que o álbum acompanhasse, de certa forma, a tendência da banda para crescer em popularidade, com um disco mais fácil de ouvir. Mas acho que o pouco sucesso que Interpol, o álbum, vai conseguindo encontrar, reside precisamente na constatação de que não foi isso que a banda fez. Pelo contrario, construíram um disco mais denso, mais negro, mas que é também um simples eco da consistência de outrora.
A tudo isto parece o vocalista Paul Banks responder, ironicamente, com a sua dissertação inaugural sobre o sucesso. “I have succeeded, I won’t compete for long” diz-nos ele. E Success abriu o espectáculo, repetindo o que tem acontecido em todos os concertos que a banda deu nos últimos tempos, e foi recebida por uma euforia quase desrespeitosa perante esta declaração sincera de desistência. Mas é claro que, já que ali estava, a banda agradeceu e aproveitou o balanço para tocar Say Hello to The Angels, Narc e Length of Love, músicas dos dois primeiros e tão aclamados trabalhos.
Desenganem-se já os que esperavam que o novo álbum estivesse em grande destaque, pois tal não aconteceu. Ao todo, durante hora e meia de concerto, só foram tocadas cinco músicas de Interpol e o resto foi um presente para os fãs de longa data. A segunda dessas cinco resistentes, Summer Well, conseguiu arruinar em pouco tempo o espírito de festa que tão naturalmente se havia criado no início, lembrando como osInterpol são mestres em fazer coexistir luz e sombra na sua música, ora criando apertos no peito, entre guitarras que choram e batidas tão lentas que culminam de forma tão intensa que chega a dar vontade de explodir, ora fazendo tudo e todos dançar e pular ao som dos seus ritmos mais animados, que são um sucesso incontestável ao vivo.
Só é pena que o novo CD ainda não tenha entrado nas cabeças duras de muitos: Rest My Chemistry, de Our Love to Admire (2007), seguiu-se a esta incursão pelo álbum novo e foi, surpreendentemente, como um respirar fundo de alivio. Se Our Love to Admire não é exactamente o álbum mais popular entre os fãs da banda, esta reacção do público – que lhe respondeu cantando em coro e dançando em slow – revelou com crueldade como o novo álbum ainda o é menos.
O alinhamento volta a entrar pela porta principal no segundo registo da banda, Antics (2004), com Slow Hands e C’Mere tocadas de seguida, antes da faixa Untitled de Turn on The Bright Lights (2002) e sentia-se emoção no reviver de cada acorde.
Se não fosse Daniel Kessler e os seus passos de dança singulares, os Interpol podiam à vontade ser considerados a banda mais chata do mundo em palco. Mas não o são, apesar de sempre bem vestidos para respeitar a solenidade da ocasião, e de existirem quase sem se mexer do sítio. A roupa negra e sóbria é reflexo do respeito que têm pelo que fazem e a esta atitude não os faz sentir distantes, mas sim simples. Com os Interpol, podem partilhar-se confidências porque eles também se mostram frágeis, humildes e, acima de tudo, sinceros, sem abandonar a maturidade e sobriedade adquirida meritoriamente ao longo dos anos.
Banks e Kessler concentram em si todas as atenções, deixando espaço para o baixista substituto David Pajo existir, competente, sem deixar que ninguém se lembre de Carlos D. Mas a verdade é que, antes, este quadro tinha muito mais classe. Ainda assim, o palco está só ilusoriamente mais cheio com o baterista Sam Fogarino acompanhado, numa posição recuada, por Brandon Curtis nas teclas, que não só enche o palco como as músicas.
De assinalar o momento em que as luzes se apagaram para ouvir Lights. Viveram-se minutos intensos, mas que não passaram de uma contemplação passiva e doentia, que não agarrou exactamente ninguém – infelizmente, os Interpol acabam por afastar-se do público cada vez que pegam no novo registo. Só não senti que tal tivesse acontecido com Memory Serves, entalada entre PDA e a fluida Not Even in Jail, que conduziu o concerto até ao final, permitindo destacar a qualidade da execução de cada nota sem prejudicar a intensidade emocional da sua experiência, como os Interpol sabem bem fazer.
Irrepreensíveis, estes Interpol, fizeram-se soar, lutando contra a qualidade de som atrapalhada, que se notou em particular no início. O melhor amigo do público do Campo Pequeno foi, sem dúvida, o alinhamento escolhido pela banda, que tocou quase tudo o que um fã poderia desejar ouvir e , depressa, o som se tornou secundário. Ninguém se apercebeu com certeza de qualquer problema ou erro que fosse quando a banda voltou ao palco no encore para tocar Hands Away, Obstacle 1 e, para terminar da forma mais perfeita possível, Stella Was a Driver And She Was Always Down.
Nota positiva também para os Surfer Blood, que ficaram com a tarefa de fazer a primeira parte do concerto. Senhores de uma pontualidade incrível – entraram em palco às 21h em ponto -, não receberam troco na mesma moeda e tocaram para uma sala que ameaçava ficar vazia. Eles lá estiveram, ainda que passassem despercebidos para a maioria das pessoas que ia entrando.
Diz-nos o nome que o surf rock lhes corre nas veias e contam-nos alguns dos seus ritmos inesperados que vêm dum sitio soalheiro, mas valeu-lhes apenas a simpatia inata do público português, que os aplaudiu como aplaudiria cordialmente qualquer outra coisa. Para sermos justos, teríamos que atribuir-lhes um prémio pelo esforço, em particular ao percussionista/teclista que, desenquadrado da apatia do resto da banda e auxiliado pelo seu esvoaçante cabelo encaracolado, dançava sorridente enquanto executava sofregamente os instrumentos, até que lá conseguiu arrancar umas palmas e cantorias das filas da frente ao som de Swim, o single que maior sucesso tem feito do seu álbum de estreia, Astro Coast (2010), e que encerrou a prestação da banda da Flórida.