Bílis dissimulada. De joelhos caído, numa esquina nauseabunda à la carte, alguém submerge no seu próprio vómito – encardido, nauseabundo, porco. O diluir do indivíduo na imundície, num niilismo anestesiado e torpe, resume Indian. Morto-vivo desde 2003, balbuciando, gritando e tresandando a álcool pelas esquinas de Chicago, o projecto de Dylan O’Toole troca de line-up a cada visita a estúdio – “From All Purity”, editado neste Janeiro pela Relapse, não é excepção e esgravata as ensanguentadas úlceras, abertas desde que O’Toole afoga no sludge as agruras do quotidiano. Se o discurso dele não vos fizer sentido… Considerem-se avisados.
Fala-me de Chicago neste momento. Aposto que está um frio insuportável.
Nos Estados, e no que ao midwest diz respeito, Chicago por esta altura do ano é um inferno. Está um gelo, mas é porreiro não teres zombies atrás de ti. Observando o clima pela perspectiva da banda, acaba por ser algo positivo. Creio que criámos uma aura, uma atitude, com ênfase na lógica do “pegar ou largar”. É esta a expressão correcta? Às tantas, é ao contrário.
Como descreverias o “From All Purity”? Especialmente em comparação com o “Guiltless”, um dos melhores discos de 2011.
É simpático dizeres isso. Os Indian são grandes fãs de cachaça! Bem, o “From All Purity” não é um disco de riffs. Saberíamos que para conceber este álbum não poderíamos partir de um ponto de vista normal – enquanto o “Guiltless” é uma criança saudável, com todos os dedos das mãos e dos pés, o “From All Purity” é um engano, por uma miríade de razões. Metaforizando, foi como enfiar o braço no útero, arrancar o feto ainda em formação, observá-lo à luz noturna e perceber que ele está envelhecido, á espera de morrer. Foi uma desagradável surpresa para todos os envolvidos. Percebo agora que foi algo que quisemos não querendo.
E o artwork?
Não sei bem como escrutinar o trabalho do Scott Fricke. O processo repete-se ao longo dos últimos cinco discos. Eu dou-lhe as letras, bebemos, ele desenha, o meu queixo cai. Adoro o trabalho dele. Ele é uma granda parte de Indian! A capa surgiu directamente a partir do tema “Directional”. A parte cuja letra é: “The air pushed through my fingers / The mouth becomes directional / The air moves / Air / The air moves / Air/ Press my face hard / The back of your head / Your head / Back of your head” e por aí fora. Não te posso dizer mais, depois perde a piada.
A tua escrita é comummente associada a sentimentos negativos e não é fácil decifrá-la. Como encaras esse capítulo?
A questão é: as letras reflectem a carga emocional que a música transporta? Bem, sim e não. Sim; porque as experiências pessoais têm um peso óbvio e indisfarçável, as quais acabo por limitar – tenho consciência de que um tema é uma tema e não um manifesto. Não; pois, na minha sincera opinião, escrevo canções de amor. Não há significado oculto!
A experiência de estúdio também foi igual ao sucedido nos outros LPs?
Não, o “From All Purity” foi diferente. Mudámos de line-up. Houve confusão, merdas do género. Menti a toda a gente que participou no disco, para poder tocar com eles – assim, não me senti tantas vezes a sufocar na minha própria falta de talento. Circundei-me de pessoas geniais. As performances no estúdio foram perfeitas.
Qual é o papel do Sanford Parker? Algo além da produção?
Não, ele basicamente cinge-se a essa tarefa. Aqui e ali, poderá indicar-nos uma maneira mais lógica de trabalharmos um tema. Mas nada para lá de uma sugestão.
É difícil transportares a massa sonora de Indian para o palco?
Sim, não é fácil. Descreveria a experiência assim: tocamos, executamos, concentramo-nos, preparamo-nos, mantemo-nos acordados, evoluímos e respeitamos o sucedido.
Achas que faz sentido eu descrever Indian como uma ressaca de opiáceos?
É injusto. Se eu te desse capacidades cognitivas e raciocínio psicológico, acharias correcto poluíres as únicas pessoas que lutaram por ti? Aquilo que fazemos nas nossas vidas, para lá da banda, não interessa.