Apesar do horário não ter sido escrupulosamente cumprido, a organização da Hip Hop All Stars demonstrou uma pontulidade sem precedentes em noites de hip hop. Algo que a malta não está habituada: ontem, às 21h, o público representava umas poucas partículas atomizadas no recinto. Um DJ em palco, no entanto, induzia já a prepação para o ínicio no corte e costura, tentando na linha trazer mais gente para dentro. Se a malta que no decorrer da noite completou o recinto soubesse que a Liga Knock Out surgiria tão cedo, certamente a sala teria enchido.
Não demorou muito após a entrada do DJ até aparecer Bdjoy em palco – habitual mestre de cerimónias nestas ocasiões – sempre na vanguarda da boa disposição, e começa por espicaçar uma quase meia casa nesta altura para as battles da Liga Knock Out. Malabá Da Gun entra, chamado pelo primeiro, e em palco ficam dois hosts por excelência, ouve-se muito as palavras “margem sul”. Sobre o que se passou a seguir, o PA’ não irá incidir, pois reportar uma battle de MC’s não seria gratificante para ninguém. Referido deve ser que o primeiro duelo foi protagonizado por X-Treme e Strata-Ge o segundo opôs o criativo Prof Jam a 9 Miller. É igualmente importante salientar a continuidade do espírito de camaradagem e respeito presente desde sempre na Liga Knock Out.
De novo Bdjoy a orquestrar as hostes, hoje com discurso de historiador, vai falando de sítios e nomes chaves na cronologia do rap nacional. Naturalmente, intervalando com os seus característicos uivos, vai apelando por barulho e é isso mesmo que pede para Dillaz. Nova escola na linha da frente da constelação hip hopesca esta noite, algo que se pôde verificar notóriamente na plateia com letras na ponta da língua, sobretudo nas camadas mais jovens, mas não só. Quem se segue em palco é outra vez Malabáe o clima anterior não se alterou nem um por cento. Melhor: intensificou-se. Nesta fase os convivas foram chegando quase em sintonia com o “Sonho Português” evocado em palco, à velocidade máxima que Da Gun nos tem habituado no seu fast rap. Embora seja de facto muito difícil acompanhá-lo, a sua actuação chegou a todos os sectores, a alcançar gritinhos com o já hit “Ela quer um rapper” e a atingir o pico no final com “Knock Out”, o hino oficial da Liga, com toda a gente a gritar as duas palavras e um grupo de pugilistas em palco a ilustrar a cena.
Bdjoy em palco continua com a aula, fala de Black Company e do Miratejo como berço do rap nacional. Pede igualmente barulho para o homem que se segue, o tal que aos treze anos já carregava microphones e pôs muitos MC’s a fazer o “TPC”. Refiro-me a Sir Scratch, este faz-se luxuosamente acompanhar por DJ Bomberjack e atacou sem grandes demoras o recente “Em Nosso Nome”. Iniciando com faixas curtas de beat e rima rápida como “Pishback”, o tal punk rap shit que tão bem lhe conhecemos. Mas também o conhecemos pela inteligência e mordacidade nas letras, algo que não falta neste disco, revelado com “Criatividade”, “Tendências” ou na óptima “Mares, Males e Marés” gravada originalmente com Noiserv e Dj Scotch e onde Bomberjackdemonstrou que não tem andado a dormir e protagonizou show de break-beat. Houve ainda espaço para se apagarem as luzes e, sem ninguém em palco, surgir Filipe Gonçalves numa onda soul para dar vida a “Fragmentos”. A constituir o momento mais calmo da actuação e dando origem à viragem do set, direcionando-o para a “Lotação Esgotada” que alcança as mais fortes reacções até então. As mesmas resvalaram a histeria quando se aproximou a parte do Regula mas, depois do impasse, quem entrou foi Caponepara protagonizar “Mais Que Talento”, este que veio propositadamente de Londres para nesta noite recordar Pleonasmo. No final, sem grande surpresa, Sir Sratch confirma que continua sem “Nada a Perder”e, novamente sem pasmo, se torna o momento mais alto do concerto, que acabou com a frase: “Isto não é por mim nem por vocês, isto é pelo hip hop tuga”.
Agora não há duvidas: está casa cheia, e é revigorante constatar que hip hop feito em Portugal chegou a este nível. Quem se segue move multidões, campeão de views no youtube, o auto-intitulado rei da linha de Sintra. NGA vem acompanhado de Prodígio e como é claro, de toda a Força Suprema; forma-se em palco um quadro que só por si diz muito sobre o que é isto do rap. A mensagem de família incorruptível é facilmente constatável nesta que é a crew com mais longevidade e sucesso por cá. NGA a dada altura anuncia que vai mostrar “um prato novo”, “é um funje” disse, e fez o ambiente: “mano das luzes, baixa esse mambo, ya assim fica mais gangsta”. E o momento que se seguiu assemelhou-se visualmente a um devaneio tribal em formato gangsta rap, que irá constar no próximo disco a sair em breve. Bdjoy voltou ao palco mas desta vez não se alongou muito em factos históricos, instigando a sedenta plateia para o que se seguia, o nome consensualmente mais esperado.
Bellini aka Regula entrou perante um Coliseu dos Recreios completamente rendido ao “Gancho” que tem arrancado mais e mais fãs para o agora também conhecido como Don Gula. Vê-se merchandising do disco um pouco por toda a linha da frente e há até quem se apresente sem camisa. As primeias ganchadas são feitas com “5 Da Manha” e “Ice Grill”, estas que servem de aquecimento para uma sessão de puch lines ao estilo “Rocky Balboa”. “+ Uma Vez” vem numa de “Tira Teimas” só para relembrar que o som mudou mas a atitude é “Safodastyle”. Hora de se encherem copos, é possível sentir o aroma a whisky vindo do palco e entretanto Regula pede que se elevem os ditos para uma vísita ao “Bar Aberto”. Depois, quem no bolso tinha isqueiro acendeu-o, enquanto no palco Regula explicava porque não nasceu em “Berço D’Ouro”, e de tacada, o entusiasmo impactante regressa reforçado com “Kill Bills”. “Mad C/Esta Shit” reproduz-se em incontáveis lábios, algo que na próxima ganchada, “Rosas” – a faixa raínha deste “Gancho”, diria – se perpétuou num dos melhores momentos do concerto. A marcar uma aura mais sentimental que prossegue com uma homenagem a Snake e com o segundo e último regresso ao passado em “É Lá Na Zona”. Bellini ainda chamou a namorada ao palco e a dançar slow protagonizaram “Elas”; a seguir uma versão acapella de “Solteiro” – som que compartilha com Sam The Kid – o convidado especial que nunca apareceu. No desfecho é “Cabeças de Cartaz” que abre o caminho a “Casanova” com direito a duas meninas de traje e dança em reforço da temática no aspecto visual.
Para uma grande parte dos presentes a noite acabou e isso repercutiu-se no abandono de uma parte do público enquandoJimmy P rimou. Nova escola na abertura e no fecho, o referido sobre Dillaz serve para Jimmy, este vem do Porto e à entrada questiona se o público lisboeta acarinha artistas do norte como o público do norte acarinha artistas lisboetas. Não houve razão para queixas mas, afinal, esta foi uma noite longa, este e o facto de muita gente se ter ido embora transfiguraram-se numa actuação sem muita emoção. Esta só se manifestou num acesso antagónico relativamente ao que se passara até então, quando Jimmy Panunciou a entra em palco de umas das suas maiores influências: Valete. Azáfama, encontrões e correria, das bancadas, do bar, de todo o lado. Juntos anteciparam o som que representará o futuro single de Jimmy, e num espírito que voltou ao do inicio da noite, fecharam com a ajuda do revigorante tema e beat nostálgico de “Os Melhores Anos”. Uma grande noite de rap só em português, com casa cheia, uma mão cheia de artistas, e ainda Bdjoy, essa grande entertainer, voltou para as despedias e para relembrar aos presentes a after party e os horários dos transportes suplementares providenciados pela organização.