Poucos foram aqueles que levantaram a mão quando Page Hamilton perguntou quem ali tinha nascido depois de 1992. A pergunta justificava-se: esse foi o ano em que Meantime viu a luz do dia, a magnum opus da carreira de uns Helmet que nunca tiveram o devido reconhecimento. Atolados no maremoto do grunge, os norte-americanos ainda hoje não receberam os merecidos créditos para uma banda que influenciou fileiras de gente no post-hardcore, noise, post-metal e até nu-metal.
Prova de que os Helmet continuam, vinte e três anos depois, demasiado embutidos no incógnito foi a parca presença de público no TMN ao Vivo. Na estreia do grupo em Portugal, esperava-se mais do que uma reduzida plateia e um piso superior encerrado. Atribuindo pouca importância ao facto, os Helmet arrancaram convictamente para um concerto que teve em Meantime o orador máximo – ou não fosse esta a digressão comemorativa das duas décadas de vida do seu segundo álbum. Alinhando pelo comprimento de onda que pautou a sua carreira, Page Hamilton decidiu investir no não-óbvio e virou Meantime de pernas para o ar, começando a actuação em Role Model, última faixa do disco.
E invertida se manteve a direcção do concerto. Tocando o álbum de trás para a frente, é legítimo (e justo) dizer que a formação actual escolhida por Page em nada errou. Os grooves e os incertos ritmos permaneceram intactos e ganharam, até, mais fulgor, fruto de um baterista que não nos faz desejar que por ali estivesse o magnânimo John Stanier, que agora dá pulsação aos Battles. Não fosse a já reputada medíocre acústica do TMN ao Vivo, que submergiu a voz de Hamilton no volume dos restantes instrumentos, e os Helmet teriam roçado a perfeição. Ah!, a voz e, pelos vistos, o amplificador de Page: a meio de Meantime, o líder do grupo decidiu interromper o concerto para dar uma vista de olhos nas válvulas do seu Fryette. Ao que parece, o menino tinha ficado catorze meses em hibernação na República Checa, à espera que os Helmet voltassem à Europa. Contingências do primeiro concerto de uma tour.
Nada que frustrasse por aí além os solos dissonantes de Page Hamilton. E nada que se intrometesse no (muito) bom humor do norte-americano. Brincou com o Cristo-Rei, gozou com os U2, troçou de Katy Perry e contou que acordou com a maior ressaca dos últimos dois anos, fruto da noite lisboeta. “You have a very fun town” disse Page, mal sabendo ele que Lisboa ao domingo à noite está, também ela, em hangover dos três dias anteriores. O lado bom de os Helmet não estarem bem posicionados na escala da popularidade é que os seus concertos permanecem numa saudável esfera íntima com o público. Conversou-se, riu-se e Page, findado Meantime, decidiu pedir sugestões para aquilo que se seguiria, ignorando o setlist esparramado no palco – houve, claro, quem lhe pedisse para tocar algo de Katy Perry. Pena que não tenha aceite o pedido de quem queria ouvir algo de Strap It On.
Ajustou-se a máquina do tempo e viajou-se até 2010, ano deSeeing Eye Dog, o mais recente trabalho dos Helmet. Welcome To Algiers, arrepiantemente orelhuda, em formato live permanece um highlight e So Long até parece transportar consigo um lado mais pesado, algo que faltou em certa medida ao último disco dos americanos. Para encerrar graciosamente a noite, voltou-se aos 90s. De Betty, terceiro álbum dos norte-americanos, ouviu-se I Know e, claro, os dois clássicos Wilma’s Rainbow e Milquetoast.
Mais de duas décadas depois, os Helmet não se deixaram vencer pelo tempo e em Lisboa deram uma aula sobre como dar um grande concerto de rock: robusto, agressivo e sem ornamentos dispensáveis e desnecessários. E Page terminou a noite a cumprimentar a plateia e a distribuir autógrafos. Grande.