Fruto dos tempos, acabámos por encarar o piano como um instrumento belo, mas estanque. Porventura, alicerçados por um entendimento clássico do mesmo, que desde cedo nos foi entrando como a natural forma de o tocar mas também a usual forma de o ouvir. Ao passo que na maior parte dos instrumentos nos chegaram as mais estranhas apropriações, com o piano fomos, normalmente, tendo uma visão menos viva e abjecta a outros formatos. Apesar de há várias décadas nos virem chegando outras concepções da sua preparação, recentemente expuseram esta variável, estando em Hauschka muito desse trabalho.

Quem tenha tido a oportunidade de assistir ao seu concerto no Teatro Maria de Matos, depressa entenderá aquilo que o germânico consegue emular. De facto, todos os objectos que vão sendo colocados em contacto com as cordas permitem que se crie os diversos tons. São esses mesmos sons, pouco usuais, que ouvimos em “Abandoned City”. Por outro lado, o seudécimo primeiro longa-duração garante também outra propriedade: o piano aparece mais despedido e menos estimulado pela incorporação de outros ambientes estranhos ao seu instrumento de estudo. É ele que não só dá o corpo a todo o disco, mas também que garante toda a sua estrutura interna.

No entanto, a vertente clássica não é colocada de lado e o tema título acaba por ser uma boa demonstração dessa verdade. Sente-se a escola dos mestres mas também um atrelar de algo que de uma maneira redutora poderia ser definido como moderno ou até progressivo, através de uma conjugação de loops e inclusão dos tais seres externos que o alemão tanto premeia. Como tal, também acaba por não admirar a percussão associada a “Thames Town”. Contudo Hauschka teve a destreza para preencher o álbum com temas díspares entre si e “Who Lived Here?” e “Craco” surgem com a melancolia certeira.

Obviamente “Abandoned City” não esquece a vertente cinematográfica. No fundo, como todos os seus registos, notando-se neste particular um claro piscar de olhos em “Agdam” a Ryuichi Sakamoto e às suas trilhas sonoras. Será inapropriado destacar uma edição de Hauschka e este será outro dos seus coesos e companheiros registos.