Já lá vão seis discos e os God Is An Astronaut continuam a mostrar uma importante consistência sonora e arrojo suficiente para explorar novas soluções. Para quem os viu há três ou quatro anos, há duas diferenças significativas: as guitarras ganharam mais força com a transformação num quinteto e as projecções de vídeo terminaram. 

Pouco antes de subirem ao palco do TMN Ao Vivo, em Lisboa, os fundadores Niels e Torsten Kinsella e o mais recente teclista (e também guitarrista) Jamie Dean falaram ao PA sobre a carreira da banda irlandesa e sobre o novo disco Origins, onde introduziram com mais insistência a voz “vocoderizada”. Numa longa conversa de mais de meia hora, houve ainda tempo para a crítica à catalogação castradora do pós-rock e para uma reflexão filosófica sobre o nome da banda.

Estão nesta altura a apresentar ao vivo Origins, o vosso novo disco. Tem mais elementos vocais que os discos anteriores… foi uma opção intencional?

Torsten Kinsella (TK) – Sim, nós queríamos expandir o nosso som neste disco, fazer coisas diferentes e praticamente nunca tínhamos explorado a voz na nossa discografia. No passado, apenas a usámos no “Tempus Horizon”, no “Fragile”, no “In The Distance Fading” e pouco mais, tudo vozes ambientais. Contudo, nós não queríamos mudar muito neste disco, no sentido de usarmos a voz em destaque, pois julgamos que seria uma má ideia. Ainda tentámos, mas achámos que o melhor era usá-la com efeitosshoegaze, senão poderíamos provocar efeitos alérgicos no público.

No fundo, a voz distorcida por vocoders acaba por ser como um novo instrumento…

TK – É exactamente isso, pois não queríamos nada que a voz se sobrepusesse aos restantes instrumentos. Temos voz no “Light Years From Home”, no “Calistoga”, no “Reverse World”… Provavelmente não iremos repetir, porque num próximo trabalho já faremos outras coisas diferentes, mas, depois de seis discos, só podemos ver esta experiência como algo positivo.

Origins parece ser um disco mais luminoso e melódico. Concordam?

TK – Acho que emocionalmente o disco reflecte as nossas vidas nos últimos três anos e, como tal, temas como “Calistoga”, “Transmissions ou “Spiral Codes” são mais alegres. Por exemplo, a minha vida mudou claramente para melhor nos últimos tempos. Por outro lado, “The Last March” foi escrita antes de tudo isso, é um tema mais negro, fúnebre. Definitivamente não é um tema alegre, como não é o “Weightless”.

Não será alegre, mas será o lado mais épico…

TK – Sim, absolutamente. E há ainda o “Strange Steps”, que também é um tema bastante triste.

Jamie Dean (JD) – Sim, a letra e a colocação na melodia são uma espécie de desistência da nossa ideia idílica de que nunca perdemos as pessoas que nos são mais próximas. E todos nós perdemos individualmente pessoas próximas numa dada fase. Por exemplo, eu perdi a minha tia, com uma morte horrível por cancro, e o Torsten perdeu o Kevin [Farrell, famoso jornalista irlandês]. Quisemos fazer um tema que captasse o desespero silencioso, o desconhecido, a morte como uma questão muito difícil e profunda.

Ainda a propósito do Origins, têm tocado ao vivo mais temas deste álbum do que sucedeu com os discos anteriores nas respectivas tours de apresentação. É sinal de que é um disco que vos diz mais?

TK – Não sei. Na tour do Age of the Fifth Sun nós tocámos o “In The Distance Fading”, o tema homónimo, o “Worlds In Collision” e um outro que agora não me lembro. Não sei porque não tocávamos mais. A questão é que, por exemplo, deixámos de tocar o “In The Distance Fading” porque era muito difícil para mim tocar a parte do teclado e depois saltar para a guitarra.

Ganharam outras possibilidades de alinhamento quando passaram de trio para quinteto…

 TK – Sim. Sempre decidimos tocar as músicas que funcionam melhor ao vivo. Mas com cinco elementos podemos escolher qualquer coisa que quisermos. Nesta altura não estamos a tocar nada do Far From Refuge, mas para o ano vamos voltar a este disco. O mais importante é tentar representar o novo disco da melhor forma possível e mostrarmos às pessoas que as novas músicas combinam bem com as antigas. Por exemplo, é impressionante ouvires de seguida o novo “Red Moon Lagoon” e o épico “Suicide by Star” e não saberes qual é a melhor. Eu acho que o “Red Moon Lagoon” é melhor.

De certeza?

TK – Sim, sim. Vais ver daqui a pouco. Depois vamos procurar-te no final do concerto para saber a tua opinião (risos). Eu acho que a “Red Moon Lagoon” é capaz de ser a nossa melhor faixa ao vivo de sempre.

Um disco que é sempre muito bem representado nos vossos concertos é o All Is Violent All Is Bright. É o reconhecimento de que esse disco é a vossa inquestionável obra-prima?

Niels Kinsella – Sim, provavelmente. É capaz de ser o nosso grande álbum e os temas que tocamos funcionam bem ao vivo.

TK – Nós podíamos tocar outras coisas do passado, como o “Point Pleasant”, o “End of the Beggining” ou o “Radau”, que seria poderoso. A questão é que gostamos de manter o nosso público satisfeito e muita gente nos conheceu por intermédio do All Is Violent All Is Bright

Eu vi-vos em Leiria, em 2009, e depois em Paredes de Coura 2012. No ano passado, já como quinteto, o vosso som pareceu mais poderoso, com mais protagonismo das guitarras em relação aos teclados e à electrónica. Isso vai manter-se nesta digressão?

NK – Sim, agora temos três guitarras e portanto o som é necessariamente mais poderoso. Mas a ideia da passagem para os cinco elementos foi também termos mais opções ao vivo.

TK – Quando éramos só os três, estávamos muito presos a uma certa fórmula. Agora podemos soltar-nos de outra maneira. O Jamie pode decidir puxar pela guitarra, o Gazz pode introduzir mais distorção… Podemos interagir muito mais com o público e há um espaço de improvisação que antes não existia, o que é muito interessante.

JD – E é excitante quando damos toda a nossa energia e, em troca, a plateia cria uma atmosfera incrível. E, assim, decidimos cortar com a parte visual, que se tornou para nós um cliché.

A sério? No concerto de Paredes de Coura não houve projecções visuais. Mas tinha ficado com a ideia que tinha sido um problema técnico.

TK – E foi, nessa altura tínhamos a parte visual prevista, só que a projecção não funcionou. Mas já estávamos habituados a fazer concertos sem parte visual, logo não foi um grande problema. Se fosse no período em que eramos só três, teria sido bem mais complicado, porque os vídeos eram importantes em certos momentos mais mortos.

É uma viagem diferente?

TK – É. Os vídeos eram uma tentativa de interpretar os temas da melhor forma possível, de lhes aumentar a emoção. Mas julgo que assim os temas ganham uma alma mais verdadeira. Sempre que tocamos um tema, viajamos até ao momento em que o escrevemos e isso sucedeu antes de lhe introduzirmos a parte visual. O Philip dos Caspian disse-me que sempre tinha achado o “Forever Lost” uma grande música, mas que agora sem imagens as pessoas podem concentrar-se no mais importante, que é simplesmente ouvi-lo.

“A música é maravilhosa porque é uma linguagem universal e independente da religião e dos ideais políticos de cada um”

Já foi dito inúmeras vezes que o post-rock morreu ou que está ultrapassado. Mas vocês estão vivos, os Mogwai estão vivos, os Explosions In The Sky estão vivos, os Godspeed You Black Emperor regressaram…

TK – Eu acho que as pessoas continuam a ouvir estas bandas porque é boa música e não interessa bem qual é o género. Noutra perspectiva, o termo pós-rock é muito difícil de definir e inclui bandas que não têm muito a ver umas com as outras. Por exemplo, acho que nós e os Godspeed somos completamente diferentes.

É o problema típico das catalogações?

TK – Acaba por ser, até porque eu acho que qualquer coisa pode ser pós-rock. Por exemplo, Metallica pode ser pós-rock. E essa caracterização pode ser uma barreira. Por vezes, os críticos falam como se nós pensássemos no seguinte: “vamos copiar este pormenor de Sigur Rós ou usar as vozes como os Mogwai”. Nunca é assim. É uma questão de sentimento, de usarmos as ferramentas e os equipamentos como entendemos, da arte da composição. Fizemos coisas que vão da electrónica ao shoegaze ou ao metal, coisas muito diferentes.

Finalmente, um amigo meu olhou para esta t-shirt [com a capa do All Is Violent All Is Bright] e disse que o nome perfeito para a banda era God Is A Lost Astronaut. Que vos parece?

Gazz Carr – (de passagem no corredor) Hey, perdeu-se caso tenha alguma vez existido (risos).

TK – Não sei… nós tirámos o nome do filme Nightbreed, quando o monstro diz a frase “God Is An Astronaut and Oz is Over the Rainbow”. E é curioso porque o Jamie esteve uma vez com o realizador Clyde Parker. Ele queria mesmo conhecer a banda que tinha usado a citação do seu filme.

JD – Sim, isso foi em Amsterdão. Para mim há uma enorme diferença entre Deus e religião. Religião é algo horrível que foi criado para controlar as massas e para gerar um profeta todo-poderoso, enquanto Deus representa o desconhecido no Universo, seja lá o que isso for. Há milhões de pessoas a tentar dizer o que é Deus, pelo simples facto de que ninguém sabe o que é, e isso é de uma beleza única. Nós respeitamos muito a diferença de visões e é aí que a música é maravilhosa, porque é uma linguagem universal e independente da religião e dos ideais políticos de cada um.

TK – Por exemplo, há muita gente no facebook a dizer que nós não devíamos tocar na Rússia por causa das políticas de discriminação dos homossexuais, que têm sido realmente horríveis. Mas, para isso, estaríamos a privar os próprios homossexuais russos de ouvirem a nossa música, o que seria uma profunda estupidez. Para nós nada disso faz sentido, nem a ideia de que somos especiais. Só queremos partilhar a música que fazemos. Não somos diferentes das pessoas que estão na plateia e que terão os seus próprios talentos.