Passada a Sé de Lisboa, já não faltava muito para se chegar ao Miradouro de Santa Luzia, começava a surgir uma amalgama de gente que se distinguia (ainda) irmãmente pelas cores da sua roupa: preto para um lado, a rigor para um concerto mais pesado, e todas as outras do prisma, de forma mais descontraída. A razão não podia ser mais simples: um aguardado regresso dos irlandeses God is An Astronaut, e uma estreia não menos esperada dos norte-americanos Junius no Santiago Alquimista.

O quarteto de Boston quebrou o silêncio perante um público que se dividia entre os que guardavam lugar para o que se seguia e os que aproveitaram o espaço vago para ver esta estreia. No entanto, sem meias medidas, os Junius mostraram que não estavam para brincadeiras, nem tampouco mereciam ficar ofuscados como uma simples banda que faz a primeira parte. Desde a primeira música, estes senhores bombardearam os presentes com as suas guitarras, que balançavam entre os delays, os reverbs e as distorções, com a voz meio-cantada do seu frontman, que se multiplicava com as modulações, e com um proeminente baixo, que se impunha com a ajuda de um bombo potente. Estes últimos ingredientes foram, aliás, a fórmula para dar um merecido peso à música, mais notório ao vivo do que em estúdio e, em boa verdade, o segredo para a intensidade desta receita.

Com um alinhamento muito focado no último álbum, The Martyrdom of a Catostrophist, os Junius iniciaram a sua actuação com Birth Rites by Torche Lights, a música que abre, precisamente, o disco de estreia da banda. Para contextualizar os presentes, e também para tapar os buraquinhos que se abrem sempre entre músicas, socorreram-se de samples e gravações que introduziam as várias temáticas ou ambientes do trabalho de Immanuel Velikovsy, ou não fosse The Martyrdom of a Catostrophist um álbum conceptual baseado na obra do controverso autor. Esta necessidade de contexto foi uma quase necessidade: quando os norte-americanos começaram a tocar, metade do público já se mostrava conhecedor do trabalho da banda e sabia, de certa forma, que apesar da falta da voz gutural-berrada, estes senhores têm mais peso do que se lhe diga; no entanto, à medida que o tempo avançava, os fãs dos senhores de Boston foram claramente engolidos pela pequena multidão que encheu o Santiago Alquimista por outras razões. Ainda assim, houve tempo para passar pelo EP que os fez cair nas graças da crítica internacional: Blood is Bright, interpretando a música homónima, A Word Could Kill Her e In the Heart of Titans.

O desfecho, com The Antedeluvian Fire, foi pura e simplesmente o culminar de uma actuação intensa e musicalmente imaculada, com headbanging no público e, principalmente, no palco, que já estava a pedir um terramotozinho, tamanha a brutalidade daquelas paredes de guitarras e da gravidade do baixo. E se isto fosse um exagero, cordas de baixo não se tinham partido nesta altura(!!!). Mesmo em minoria, os Junius sobrepuseram-se, impuseram-se e mostraram não só um óptimo alinhamento, com boas músicas, mas também muita entrega e experiência — ou não fosse o seu primeiro registo de 2004, ainda que o álbum de estreia só nos tenha chegado no ano que passou.

Porém, as estrelas da noite eram, indubitavelmente, os God is An Astronaut. Apesar de serem visitas relativamente assíduas no nosso país, o Alquimista encheu para ver o colectivo de Glen of the Downs a apresentar o seu quinto e novo disco, Age of the Fifth Sun. E uma coisa é curiosa: os fãs do post-rock em Portugal são fiéis, mesmo em épocas de crise, exames ou pré-festivaleiras. É que, em duas noites seguidas no espaço lisboeta (os Health tinham actuado no mesmo sítio, na noite anterior), o Santiago Alquimista apresentou públicos diferentes em estilo e em quantidade.

Ao vivo, os irlandeses fazem jus ao seu carácter pioneiro da sua corrente musical: depois de uns Godspeed You! Black Emperor, este é um dos grupos que mais legiões de seguidores arrasta. A abrir, poderosamente, o tema escolhido foi o que dá nome ao último trabalho, acabado de editar. Cheio de distorção e efeitos e sempre com aquele condão tão marcante dos GIAA. Aliás, foi, precisamente, pelo último trabalho que o trio se concentrou, atacando também em canções como In the Distance Fading ouWorlds in Collision.

Para o final, estava reservado um pequeno rebuçado. Uma verdadeira analepse musical, que passou por um dos álbuns mais aclamados do colectivo, All is Violent, All is Bright, de 2004, e pelo disco de estreia, The End of the Beggining, de 2002. Assim, foram revisitados os temas Suicide by Star, Forever Lost (pela primeira vez interpretada no nosso país, o que provocou o delírio da audiência), Route 666, e, já em encore, Fire Flies and Empty Skies, que encerrou em grande e com um toquezinho mais electrónico as hostilidades da noite. Embora não tenham tanto “peso” ou um cariz tão metaleiro como os Junius, os God is An Astronaut, com a ajuda dos teclados, da leve sonoridade electro-rock e de uma bateria pujante, logram em enlevar-nos por um caminho fora, de outra galáxia, mexendo connosco. Podem não haver tantosheadbangings físicos, mas há, certamente, sensoriais.

Em suma, dois concertos que nos fizeram viajar por outras galáxias, abstrair, sonhar, sempre bem acompanhados com boa música. Venham mais assim!