Entrar na Casa da Música já atrasada e sem grande inspiração para musicalidades numa quarta-feira à noite no Pólo Norte, perdão, Porto poderia não augurar coisas melifluas e doces para os minutos que se seguiriam.
Mas, ainda bem que as surpresas existem e que o seu significado abarca também pontos positivos. Isto porque ver um colectivo com cinco tipos em palco chamado Girls – banda essa que inclui um guitarrista de cabelo à Elvis Costello e um vocalista que mais parece o Kurt Cobain do indie – tem muito que se lhe diga.
Father, Son, Holy Ghost, o segundo registo dos norte-americanos, editado em Setembro, serviu como mote para esta deslocação até Portugal, que, conforme o vocalista Christopher Owensconfessou, seria a última actuação antes do merecido regresso à terra-mãe. Talvez por isso, ou porque os Girls são, realmente, músicos do caraças, a entrega, a simpatia e a devoção foram totais (o senhor Chet “JR” White movimentava-se até de forma demasiada afectada/ exagerada, com headbangs desnecessários, como se estivesse a partilhar o palco com uns Mayhem, ou algo do género).
E já que mencionámos Costello lá em cima, urge que haja sinceridade: a influência que os Girls receberam da lenda não é em vão – há mesmo qualquer coisa, muita, da new-wave, do rock puro, na forma crua em como estes senhores descarregam as suas malhas curtinhas e certeiras. Desde o intimismo de Vomit, passando pela histeria bem-disposta de Honey Bunny ou pelos coros das meninas embevecidas com Hellhole Ratrace (“I don’t wanna cry!”), tema repescado do primeiro disco, Album, há uma vida nas – óptimas, saliente-se – guitarras preocupadas e flexíveis, ora carregadas de fuzz, ora a puxar a lagrimita nos loops dos teclados sonhadores e xâmanicos.
A musicalidade é, exactamente, o que distingue os Girls da carneirada de indiezadas que por aí circulam: a limpidez do baixo, a pujança da bateria, a sujidade rockeira quando necessária e, claro, a voz imaculada de Owens. Por isso, e por tudo o que se disse acima, o encore era esperado. Quatro músicas, quatro sermões em slow-motion, bem enquadrados com as flores naturais que enfeitavam o palco e que, no fim de tudo, foram atiradas para cima da audiência.
Assim, esta escriba só espera uma coisa: que a viagem de regresso dos Girls até casa tenha sido menos custosa do que a nossa pós- Avenida da Boavista: é que às vezes é triste sair do país das maravilhas.