Festa é festa. Seja aqui ou na China, o ser humano – mulher ou homem – é mestre em arranjar motivos para se engalanar e festejar. Ainda bem que assim é. As festas, no geral, são o melhor sítio para exorcizar demónios, para espantar males e aliviar a tensão da mente que se quer sã em corpo são. O que importa é saber convidar as pessoas certas para que a atmosfera se saiba impôr, subtilmente, sobre os convidados – afinal, ninguém quer ficar com má impressão dos anfitriões, nem da festa em si.

Não terá acontecido tal, na sexta-feira passada no Lux, mas houve quem perguntasse se estaria na festa certa quando os Tropa Macaca subiram ao palco. Mais concretos do que quando os vimos no Out.Fest do Barreiro, mas ainda com dificuldades em se encontrarem – em si e no ritmo texturado que tecem. Com um uso pouco convencional da guitarra e loops desenfreados, a dupla foi formando uma estrutura pouco segura, com órgãos, pedais e uma guitarra sempre dispostos a um abanão e a uma consequente mudança de rumo. Aquilo que se ouviu foi uma espécie dekosmiche extremamente despido, arrebatado por um centro de gravidade muito baixo que arrisca a arritmia e descompassa o coração. Ficou no ouvido um riff sacado a África que, não fossem algumas falhas, teria feito o Lux dançar pela primeira vez.

Não foi com os Tropa, foi com Hype Williams. Ou quase. Antes que se pudesse arriscar um seguro pé de dança – e por seguro entenda-se do ponto de vista físico – tivemos que ultrapassar um cenário pré-apocalíptico, poluído por fumo e strobes. Algo capaz de mexer com os nervos do mais predisposto dos mortais, algo capaz de dar cabo da vida a um epiléptico – ou, simplesmente, a alguém que padece de uma retina mais sensível -, algo que passado um estrondoso solo de bateria de Afonso Simões (dos Gala Drop, convidado especial nesta actuação) transformar-se-ia numa espécie concerto de cerca de 40 minutos capaz de apelar aos sentidos mais desaustinados, mas nunca aos mais exigentes.

Subsónico, subaquático, subaproveitado, subrendimento, subatómico, subalimentado, subcutâneo. Há ali qualquer na dupla baseada no eixo londrino-berlinense que cativa, mas que, ao mesmo tempo, parece inofensivo (psicológica e musicalmente) e pede ar puro antes dos senhores da noite. Mas já há quem mexa, já há quem se movimente em celebração, já há quem se deixe levar pela densidade e dance. Acabou por valer a pena esperar pelo fim. Para dançar com os cinco sentidos, com a exigência de dois ouvidos e para suar como se tivéssemos navegado para lá dos trópicos.

Afinal, o disco chama-se Broda, diz-se bróda, mas podia chamar-se Hermano e dizer-se érmano. Em 2012, os Gala Drop regularam o astrolábio cósmico, chamaram dois mestres de navegação para o barco e mudaram a sua latitude uns graus para a esquerda. Estamos em plena América Latina. Os Gala Drop canalizaram todo a cor e calor latino que interessa para esta sala à beira-rio construída. Broda, em palco, abraça uma dimensão corpórea que toma conta dos pobres que, em frente à coluna, nada podem fazer para resistir ao movimento de pé, anda e braços no ar. Um constante movimento corpóreo, ao som das guitarras, baixo, bateria, congas e órgão em devaneio psicadélico (psíquico?) que traz México, Argentina, o Santana de Abraxas e, claro, o Ali Farka Touré que estes mesmos Gala Drop já traziam no seu ADN em espectros anteriores.

O espírito xamânico que revestia de misticismo e espiritualidade do antigo trio lisboeta ainda está lá e agravou-se. Atingiu um estágio mais forte, mais berrante e presente, e traz tanto dos já falados continentes: África e América, umbilicalmente ligados pela cor e pelo ritmo que os Gala Drop têm no seu seio. Em 2012, o agora quinteto deixa claro que ouviu muito blues, de África aos States. Ouviu muito kraut, da Alemanha à Turquia, sem esquecer a Holanda. Ouviu muito psicadelismo, dos Floyd a Roy Harper. Mas nunca demais. Apenas o suficiente para se deixar permear pelos viciantes e deliciosos ritmos dançantes de um eixo de países que vai da Nicarágua à Jamaica, sem esquecer o Uruguai.

O resultado é uma electrizante viagem-em-ácidos-sem-precisar-de-ácidos, mas que apela ao ritual, à indução, às temperaturas quentes e à reverberação. Mesmo sem Chasny – em corpo, o seu espectro sente-se nas paredes do Lux e nos corpos suados –Broda parece comandar “gritem, girem, suem. Libertem-se do torpor material que vos aflige e entreguem-se aos prazeres da carne. Entreguem-se ao prazer de sentir com o corpo, pois como ele nada mais em vós sente dessa forma”. Principalmente quando festa é festa.