O segundo fim-de-semana do FUMO, que decorre em Setúbal desde dia 16 até ao próximo 29, arrancou na sexta-feira com Samuel Úria e Birds Are Indie no Auditório Charlot e prosseguiu, no dia seguinte na Capricho Setubalense, com a actuação deSurveillance, The Dirty Coal Train e Fast Eddie Nelson.
Apesar de termos assistido a muito bons concertos, lamentamos o pouco público presente (cerca de meia centena de pessoas na sexta-feira, vinte e poucas no sábado). É triste que uma cidade como Setúbal, com mais de cem mil habitantes, ignore tão ostensivamente as poucas actividades culturais que vão tentando combater o marasmo cultural. Triste e inexplicável. Resta-nos esperar que a Experimentáculo não desista e que consiga fazer acontecer o FUMO durante muitos mais anos.
Samuel Úria é um tipo com carisma. Tem piada e à-vontade na forma como se dirige ao público, arrancou gargalhadas e aplausos nas introduções que dedicou à quase totalidade das canções. Fez deste concerto não apenas um espectáculo musical, mas também uma sessão de stand-up comedy (elogio).
Num concerto de apenas uma hora, Samuel Úria dedicou-se quase exclusivamente às canções novas, mas não deixando de ir atrás na discografia para tocar alguns temas incontornáveis. E os melhores momentos aconteceram exactamente nesses temas mais antigos, talvez fruto do tempo que já têm de estrada, em comparação com as novas criações. Isso foi especialmente visível em Teimoso, uma das melhores canções de Úria e que cuja frase-refrão foi cantada pelo público, a pedido do próprio.
Apesar da segurança de Samuel Úria na condução da sua actuação, é impossível não pensar que estaria melhor se estivesse acompanhado pela banda que tem actuado com ele nos espectáculo de apresentação do novo disco. Sozinho tem tendência em transformar-se, palavras do próprio, “num José Cid sem teclado”, isto é, em exagerar nos tiques vocais e em devanear nas cordas da guitarra (acústica ou não).
Resumindo: Úria deu um bom concerto, mas não encantou. Esperemos que em breve volte a Setúbal mais acompanhado.
Os Birds Are Indie subiram ao palco meio trapalhões e singelos: Jerónimo (vocalista e guitarrista) muito alto, Joana (teclados e outras coisas) mais baixa e tímida, Henrique um pouco à margem do evidente enamoramento de Jerónimo e Joana. Esse enamoramento, é, de resto, a razão para o nascimento desta banda e é bonito perceber que, independentemente das proporções que entretanto a banda ganhou, ainda conseguem manter presente essa magia.
O alinhamento foi composto essencialmente por músicas do seu trabalho de estreia How Music Fits Our Silence, que já se encontra esgotado e que conhecerá nova edição, aumentada, caseira e limitada. Apesar de um certo desconforto de Joana, a banda conseguiu transformar o palco do Auditório Charlot no quarto onde as canções nascem. Isso foi especialmente sentido quando Joana e Jerónimo se instalaram nas escadas do palco, longe dos microfones, e encantaram com We’re Not Coming Down.
No sábado foi a vez de Surveillance abrirem as hostes na mítica sala do Capricho Setubalense. Os Surveillance são um duo composto por Tiago Martins no baixo e Inês Lobo na bateria e voz. Fazem aquilo a que vulgarmente se poderá chamar de math rock, seja lá o que isso for.
Tímidos no contacto com o público, mas exímios no contacto com os instrumentos, descarregaram electricidade no pouco público presente. Com músicas que exploram variações rítmicas e melódicas, que aceleram, abrandam, distorcem, os Surveillance nunca perdem a noção de melodia, nem se deixam levar pelo deslumbramento de virtuosismo. Num concerto de dez músicas, sem grandes pausas entre elas, pecou apenas por uma pequena sensação de repetição. Ainda assim, ficou claro que são uma banda a seguir com muita atenção.
Não é normal vermos uma banda de rock com três mulheres e apenas um homem, mas foi isso que aconteceu quando subiram ao palco os The Dirty Coal Train. O elemento masculino, guitarrista e vocalista, claramente o elemento mais velho da banda, era quem se dirigia ao público com piadas desinspiradas.
A música, essa, não estava ali para ser posta em causa. Com uma atitude rockeira acertada, a banda disparou temas atrás de temas, todos curtos, directos e com sabor adolescente. O objectivo dos Dirty Coal parece ser simples e eficaz: abanar e fazer abanar o esqueleto. Não o conseguiram com especial rasgo de originalidade, mas conseguiram-no com uma atitude sem merdas.
A festa continuou com Fast Eddie Nelson, que, posto ao lado das anteriores bandas, se pode considerar um veterano. Sentado em frente a um bombo, e com uma guitarra em punho, Eddie começou sozinho a disparar blues como se não houvesse amanhã, mas rapidamente se juntou a ele o baterista mais bonito do Barreiro.
Juntos mostraram como se traz o Mississipi para junto do Sado, que, até é mais bonito que o rio norte-americano. Não temos campos de algodão, nem público interessado, mas a isso não importa nada quando se tem à frente alguém que domina a linguagem blues-rock como poucos em Portugal. Alguém que ouviu-estudou-ouviu os grandes e não tem vergonha pilhar o legado deles.
A noite acabou quando Fast Eddie Nelson, depois de quarenta minutos cheios de energia, chamou ao palco todos os membros das bandas que actuaram antes dele, para tocarem juntos uma versão de T.V. Eye dos Stooges. Em jeito de jam session, com os instrumentos a rodar por várias pessoas, a noite acabou da melhor maneira.