Foi uma noite muito chuvosa a que acolheu o primeiro Festival Náice apresentado pela incansável Lovers & Lollypops, que nos vem habituando, de há uns anos para cá, a muitas das belas propostas musicais que temos tido oportunidade de assistir no Norte do país, em particular na cidade do Porto.

Segundo aquela organização, este evento pretende constituir-se como a festa que irá juntar mensalmente, no Plano B, diferentes projectos dos mais variados estilos, à semelhança do que aconteceu na cidade de Barcelos este Verão, com o muito bem sucedido e originalíssimo Milhões de Festa.
Fazer, pois, a festa do Milhões entre paredes e sem o sol de Verão.

Nunca é demais sublinhar, por outro lado, que o Plano B se destaca também, e muito merecidamente, como casa-mãe de acolhimento de muitos projectos artísticos internacionais mais marginais, que de outro modo, não passariam a fronteira galega ou apenas visitariam a cidade de Lisboa.

Posto isto, o cardápio de festas indiciava uma noite longa e propícia a bailaricos diversos nos vários espaços daquele espaço da Invicta.
“Subiriam ao palco”, por esta ordem, os canadianos Fucked Up (cabeças-de-cartaz), seguidos dos portuenses Throes, que regressam ao local onde se estrearam em 2009, para um concerto no meio do público.

Na Sala Cubo, os The Shine (DJ AdemarDiron André do Poster) teriam a missão de pôr toda a gente, literalmente, a bailar em ritmos angolanos aplicando-lhes uma injecção de kuduro, à semelhança do que aconteceu numa das tardes na piscina do já referido Milhões de Festa, em Barcelos (qual aula de hidroginástica).

Em formato dj e, apresentando set´s bem diferentes e ecléticos, brindar-nos-iam aLovers & Lollypops SoundSystem (agora L&L)Myd (França) e Sun-Explosion. O centro das atenções estava colocado, pois, nos Fucked Up.

Quem conhece o Plano B, sabe que todos os concertos tendem para o familiar o que significa que não haverá melhor habitat para o relato que se segue.

Já se sabe que um frontman é sempre o cartão de visita, o cicerone para o desfile das canções. Pink Eye, nome de baptismo Damian Abraham, é um portento físico.É imponente o seu porte (muito) pouco atlético. O que impressiona também será a quantidade de calorias dispendida por concerto. Dele e do público. Uma espécie de Obélix, se caído no caldeirão do punk-hardcore que os Black Flag nos ofereciam nos anos setenta e oitenta, quando ainda era um menino.

Pelo meio do público não era difícil adivinhar os rostos que indiciavam também apreciar o cálice servido pelos Trail of DeadFugazi ou, ainda, a título de exemplo, os Les Savy Fav. Aliás, são tantas as semelhanças entre este Damian Abraham e o preciosíssimo vocalistas dos Les Savy Fav (Tim Harrington): a barba, a calvície, a proeminante pança, o suor, a boa disposição, a amena cavaqueira com o público e uma vontade desenfreada de despir (várias) peças de roupa.

E assim foi, bastou apenas um tema para que não se lhe visse mais a camisola que vestia quando, uns minutos antes, me tentava convencer, com uma simpatia imaculada, a comprar uma das raras edições que estavam à venda na banca de merchandising.

Já muitos saberão também que estes Fucked Up seriam a banda agendada para fazer a primeira parte do massivo concerto dos já radio friendly Arcade Fire no Pavilhão Atlântico. Já todos sabem também que o concerto foi cancelado. E por isso, já se suspeitava que alguma referência, em jeito de troça, fosse assinalada por parte da banda: “Sabem? Alguém nos disse ontem em Lisboa, à chegada, já no aeroporto, que não iria haver concerto nenhum. Parece que está acontecer em Lisboa uma pequena reunião de amigos…E foi uma pena porque tivemos que adiar a oportunidade de conhecer os populares Arcade Fire…Já estava a treinar o meu comportamento para a ocasião!”

É sempre neste registo que Pink Eye se dirige ao público numa antítese ao que seria suposto ser-se com mais de 100 kilogramas. Se tivessemos que escolher uma palavra para o definir seria algo como… “amoroso”. Pelo meio dos temas que desconstruiam os seus dois longa-duração Hiddeen World (2006) e The Chemistry of Common Life(2009), admitiu que estava a tocar no “club” mais bonito até à data: “…nunca vi tanto espaço entre o chão e o tecto…olhem-me só para aquilo!”

Por pouco não fui involuntariamente “encavalitado” no dorso daquele performer que, tema-sim-tema-sim, percorria a audiência à procura de abraços e de colinho (difícil de imaginar, não é?). Admirável, o facto de o cabo de seu micro ter aguentado durante tanto tempo as tamanhas audácias provocadas pelas suas incursões intempestivas. Um pagode.
Entretanto, mais uma referência ao Aeroporto da Portela e às extremosas medidas de segurança pró-NATO: “olhavam-nos desconfiados…o quê, estes seis tipos é que vão abrir para os Arcade Fire? Esperem. Vou perguntar ali atrás. Ok…vocês são os…os… (voz embargada) Fucked Up? Pois parece que somos mesmo, meu caro!”

A baixista, Sandy Miranda, denunciava traços de latinidade suspeitos. Suspeições fundamentadas em seu apelido e que viriam a ser confirmadas pela banda. S. Miranda, à semelhança de muitos emigrantes no Canadá, tem ascendência portuguesa.

Em jeito de resumo, foi bonito perceber que uma banda pode juntar fãs que vão dopunk-hardcore ao indie-rock mais polidinho. Ninguém diria, há uns anos, que os grunhidos poderiam acariciar o fã mais tímido de Sonic Youth. Pois é, por lá pontuava, para atestar o que digo, uma t-shirt do mítico Daydream Nation daquela banda nova-iorquina. Uma t-shirt que até andou pelo ar no corpo de um dos involuntariamente escolhidos crowdsurfers. Foi bonito perceber o que se pode fazer numa só noite (mesmo que chuvosa e pouco apetecível): uma só festa, a mesma aparelhagem de som, diferentes protagonistas.

Por outro lado, foi também bonito constatar que a Lovers & Lollypops continua a pintar a sua agenda de óptimas propostas. Resta-me desejar muita saúde, longa vida com este intróito do Festival Náice e aguardar pela próxima edição para perceber quem são os senhores que se seguem.

Meus caros, quando o futebol é assim jogado, estamos todos de parabéns!