Após alguns dias de ausência, onde teremos eventualmente perdido grandes concertos de Sílvia Pérez Cruz ou Asif Ali Khan, o PA voltou a Sines para a derradeira fase do FMM. O aumento de público é claro, com os palcos do castelo e da praia a terem enorme afluência, algo que se nota desde o concerto de final de tarde.
Sete anos depois, os Gaiteiros de Lisboa voltaram ao festival da amizade (palavras deles). Entre o mais recente Avis Rara e a recuperação de discos anteriores, a banda faz a habitual subversão dos cânones tradicionais, com passagens pelo cante alentejano, por Trás-Os-Montes, pela influência árabe no nosso país ou pela conjugação peculiar do profano e do sagrado, na forma de “litúrgico levemente obsceno”. A ironia e a provocação de Carlos Guerreiro são aliás profundamente marcantes, não só nas deliciosas letras (destaque para o fabuloso “Avejão”, metáfora dos destinos políticos nacionais), mas também na comunicação com o público entre os temas, dedicando Proparoxitonias aos professores de Português ou considerando “nojenta” a fiscalização policial à porta do castelo, uma das novidades da edição deste ano. Num cocktail imenso, o som esteve muito desequilibrado, com alguns instrumentos como as flautas a ouvirem-se pouco, e sente-se a falta fo rasgo mais forte de percussão que existia nos tempos de José Salgueiro, mas nem por isso deixou de ser saudoso o regresso a Sines dos Gaiteiros.
Após a presença na praia do reggae “apopalhado” de Winston McAnuff & Fixi, o castelo assistiu a uma das poucas alterações de última hora do festival. O percussionista Trilok Gurtu perdeu sucessivos voos e o que era para ser um duo transformou-se no concerto a solo de Tigram Hamasyan. Este arménio é um dos grandes pianistas da actualidade e vê-lo ao vivo em Sines é um verdadeiro bálsamo, um pouco como se estivéssemos a ver o grande Ryuichi Sakamoto. Isso nota-se desde o primeiro instante, com um virtuosismo e uma alma capaz de amplificar e multiplicar o piano inúmeras vezes, num som quase visceral e difícil de definir. Contudo, Tigram não se fica por aqui, introduzindo pontualmente o maravilhoso som de um vibrafone, uns laivos de percussão e umas manipulações vocais muito bonitas. Um momento de grande encanto e beleza na abertura nocturna do castelo. Teria sido mágico com Trilok?
Rachid Taha é um boémio e o que se esperava dele era rock duvidoso, com uns ligeiros toques da Argélia natal, mas capaz de absorver as massas. O que se viu foi curto, com um discurso incompreensível em várias línguas, a voz muito baixa e a sua presença quase abafada pelo companheiro de palco e tocador do cordofone magrebino. Pouco empolgante, a espaços quase intelectual em mau (num psicadelismo barato), alguns dos momentos instrumentais aparentemente mais entusiasmantes, com sopros e acordeões, surgem artificialmente criados por um órgão. Podia não se esperar qualidade musical, mas pelo menos festa e euforia, que praticamente só apareceram na parte final, onde se inclui a inevitável versão de Rock the Casbah dos Clash.
Uma orquestra com uns 30 músicos? Um maestro às voltas pelo palco? Rock progressivo feito por japoneses? Um som profundamente caótico e excêntrico, ao jeito do Sufjan Stevens pós-moderno? Uma medusa submersa nos ares de Sines? Duascheerleaders a usarem bananas como instrumentos de dança? Um dragão desenhado de forma cuidada ao longo das duas horas de concerto? Uma explosão de cor e alegria? Um final apoteótico perante um público rendido? Uma freakalhice imensa a altas horas da madrugada? Eis a Shibuza Shirazu Orchestra. Quem esteve presente sabe do que estamos a falar. Quem não esteve, fica com a liberdade de recriar à sua maneira o espampanante cenário musical e visual que fechou o Castelo nesta 6ª-feira.
As novas sonoridades vindas da América Latina são uma presença frequente nas várias edições do FMM. Em 2013, a Colômbia foi o país destacado, com os Onda Trópica na 5ª-feira e os Bomba Estéreo a fechar este dia. Se os primeiros privilegiam mais as linguagens tropicais, os segundos mostram o lado mais cosmopolita do país, com os laivos de cumbias e derivados a serem abafados pela linguagem mais urbana e electrónica. Tiveram uma participação no último disco dos Buraka Som Sistema e, na recriação muito livre de um lado tradicional mais apoteótico, percebe-se facilmente a ligação. Em palco, assumem contornos de uma M.I.A. em bom (veja-se um concerto da senhora britânica e perceba-se que não é mais do que uma explosão de graves e pirotecnia visual) e, para tal, muito contribui a presença impressionante da vocalista Liliana Saumet, contida e explosiva em doses equilibradas. Equilíbrio este que sucede também entre os beats electrónicos e os elementos orgânicos. Numa noite que teve momentos de beleza contemplativa e festa eufórica, fechou da melhor maneira com os Bomba Estereo a enveredarem por um tema mais downbeat, com uma guitarra lindíssima, e depois com uns sintetizadores completamente fritos, ao jeito do que tanto gostam os Fuck Buttons. Muito bom.
Para os mais resistentes, houve ainda os ritmos loucos da Europa de Leste, no DJ set de Batida Balkanica.