O último dia desta fortíssima 15ª edição foi marcado pela já tradicional apoteose do último Sábado, com uma impressionante enchente.

Ainda antes e longe da euforia nocturna, mas num Castelo muito bem composto, subiu a palco Cristina Branco. Depois das presenças em 2002 e 2005, a intérprete portuguesa voltou a Sines para mostrar a tremenda voz e uma enorme versatilidade. Embora vinda de fora, encarna Camané na perspectiva de partir do fado para algo que é muito maior, uma profunda portugalidade triste, mas muito bonita, que junta as guitarras ao contrabaixo e ao piano. E, quando assim é, fazem todo o sentido as evocações de Zeca Afonso, na versão do lindíssimo Era Um Redondo Vocábulo, ou de Carlos Paredes, num interlúdio instrumental que nos pareceu serSede e Morte.

A festa prosseguiu na praia. Enquanto muitos aproveitavam para jantar, os DaWangGang mostravam que a musica chinesa pode ser mais interessante do que os formatos demasiado convencionais do rock de Cui Jian ou da pop festivaleira de Sa Dingding, que passaram por Sines nos últimos cinco anos. Há ali um toque mais tradicional, seja nas vocalizações sombrias e quase tuva ou nas deambulações do violoncelo oriental. Sem que, com isto, se abdique necessariamente da modernidade. Sem serem demasiado entusiasmantes, mostraram um dos grandes místicos do festival: um baterista frenético que, qual criança endiabrada, correu pelo palco em alguns momentos e tentou ensinar umas palavras chinesas à malta.

Estava-se mesmo a ver… com o reforço da segurança do festival e policial (facto contestado por vários músicos) e sem que existisse uma melhoria dos acessos ao castelo, dias de enchente iriam assegurar grandes filas. Não havendo um processo de entrada específico para imprensa, foram 50 minutos (?!) de espera enquanto decorria grande parte do concerto dos tuaregues Tamikrest. E, pelo pouco que se viu, pareceu ter sido algo profundamente vibrante, ampliando o som dos Tinariwen (FMM 2010) para uma órbita plena de groove desértico. Um final muito bom, pena que não tenhamos visto mais.

Quem estivesse pior informado e esperasse um hip-hop mais moderna, assente em manipulações electrónicas maximais e catárticas (já lá vamos), deparou-se com o oposto. Entre o Gana, os Estados Unidos e a Alemanha, a música de Akua Naru é verdadeiro hip-hop old school, com aposta na complexidade instrumental e num certo tom de spoken word que a aproxima da grande Ursula Rucker. E os condimentos são bons, desde logo porque a banda apresenta a sofisticação prometida, com a mistura de scratch, baixo, guitarra ou percussão a visitarem profundamente o funk, e porque Akua Naru tem uma enorme expressividade e uma comunicação intensa com o público, sem excessos escusados (e também já lá vamos). E, atenção, quem escreve estas palavras está longe de ser um apreciador de hip-hop.

No intervalo entre os dois primeiros concertos nocturnos, houve a mensagem final do Presidente da Câmara de Sines, Manuel Coelho. Em ano de despedida da autarquia e consequentemente da organização do festival, o líder sineense, que criou e ergueu o FMM juntamente com o programador Carlos Seixas, manifestou o orgulho por tudo o que foi construído e o agradecimento a todos os que, ao longo de 15 anos, colaboraram no projecto. E, citandoPedra Filosofal de António Gedeão, deixou os votos para que o sonho não se apague. Nós também o desejamos.

Quando, umas horas depois, durante o DJ set final, rodou Mosquito Song, de Seun Kuti, confirmámos facilmente um dos aspectos que diminuiu bastante o concerto do irmão Femi Kuti. Como é notório nesse incrível tema afrobeat, algumas das forças do estilo estão inevitavelmente nos metais, no groove e no potencial rítmico. Se o baixo praticamente não se ouve (nem as guitarras, aliás), como sucedeu, o som fica quase decapitado e dificilmente o concerto passará do frouxo. Mesmo tendo em atenção que o início foi necessariamente eufórico, com o tradicional fogo-de-artifício do último concerto do castelo. Por outro lado, falta algum carisma ao músico nigeriano e a maior ocidentalização do género nem sempre tem os melhores efeitos. Há momentos mais estimulantes, como quando Femi efectua uma verdadeira prova de resistência ao saxofone, é sempre de saudar a recordação do pai Fela em Water No Get Enemy e há um apelo relativamente vago (pelo menos assim pareceu) à compreensão europeia em relação a África. Seja como for, confirma-se a opinião que ficou há 3 anos no MED: Femi está a léguas do irmão Seun.

Se houve falta de graves com Femi Kuti, houve-os em excesso emSkip & Die. Se, por outro lado, elogiámos a devida contenção na vocalista dos Bomba Estéreo, é tudo o que não sucedeu com esta banda que praticamente fechou as hostilidades do FMM 2013. Numa dimensão supostamente multicultural de uma banda sul-africana radicada na Holanda e que interpreta temas em várias línguas, incluindo o português (usado também em pequenos momentos de comunicação com o público), o que fica é o pior lado da música urbana cosmopolita. Uma vocalista com um certo histerismo difícil de suportar e os instrumentos (mesmo a bateria) a serem abafados por uma base electrónica que parece extraída de uma batedeira eléctrica. Enfim, mas houve quem vibrasse muito e, quem acha que os Crystal Castles são a última coca-cola do deserto, tem aqui pelo menos uma segunda.

O festival fecharia oficialmente com o eclectismo geográfico e estético do casal de DJ’s Senhor Comendador & Sua Sobrinha.

De forma muito sucinta e porque, por mais que cresça, grande parte da magia do FMM vai permanecendo intacta, esperamos efectivamente que se cumpram as seguintes palavras: “Até para o ano Sines”. E, claro, que o festival se mantenha fiel a si próprio e nunca perca a alegria.