Ao primeiro dia do fim-de-semana, vê-se que não há um aumento considerável de público em relação a 5ª-feira. A presença de Amadou & Mariam terá trazido a Sines muita gente que não ficou para este 2º dia. Ou pelo menos não entrou no Castelo, porque a enchente da parte de fora, com malta a desfrutar do festival de outra maneira, é impressionante. O dinheiro não abunda e, mesmo com a diminuição do preço diário (10€), muitos preferem poupar-se para Sábado, onde o FMM vai receber a genialidade louca de JP Simões, o grande manipulador Hermeto Pascoal ou a festa dos Batida.

Ainda antes de nos concentrarmos nesta 6ª-feira, importa destacar um dado importante, que nos escapou na crónica de ontem. Mário Dias, mítico e eterno speaker do festival, está ausente por questões familiares. Muita força para ele, a sua falta será inevitavelmente sentida

A abertura de dia fez-se com a acordeonista portuguesa Celina da Piedade. Depois de se destacar no Cinema Ensemble de Rodrigo Leão e ter estado nas origens dessa trip trad-rock chamada Uxukalhus, aventurou-se a solo no ano passado. Ao vivo, interpreta temas do seu disco de estreia, entre os originais e as versões. É um concerto agradável, “entre amigos”, capaz de puxar para uma dança recatada, como na cadeia humana criada em “Pêra Verde”. E Celina, para além de uma virtuosa instrumentista, revela uma enorme simpatia para com o público. Talvez exagerada a espaços, mas sempre genuína. Pode não ser musicalmente sensacional, os arranjos instrumentais, com contrabaixo, bateria e guitarra em evidência, podem ser demasiado leves, mas cumpriu bem a missão de concerto de final de tarde.

Para apreciadores de post-rock, cai que nem uma luva a música dos norte-americanos Barbez. A exploração sonora é magnífica, marcada pelo som denso da guitarra e também pelo vibrafone, pelo violino (a influência de Godspeed You Black Emperor! é óbvia) e por esse imponente controlador de frequências chamado theremin, para além dos frequentes diálogos bateria-baixo. Demasiado curto, perdido um pouco na versão mais caótica desse hino de resistência chamado “Bella Ciao” ou na declamação de um poema em português que não resultou e, por vezes, a exigir um silêncio da plateia que não existiu. Mas, nos momentos puramente instrumentais ou no mais rude tema final (uma versão dos Residents), foi particularmente brilhante e a deixar vontade de os ver noutra altura e num outro espaço. Talvez haja aqui pouca tradição, substituída devidamente pela emoção mais contemplativa e profunda. Mas, para essa questão, Baloji daria a devida resposta umas horas mais tarde.

Os nómadas francófonos Lo’Jo venceram o prémio para “melhor grupo” de 2013 pela credenciada publicação Songlines. Como tal, seria inevitavelmente um dos nomes mais aguardados da noite. Infelizmente, o que nos mostram é um cocktail sonoro excessivamente disperso e caótico. Há um pouco de chanson, há esporadicamente o som de uma kora, há uns momentos quase dub, há uns arranjos épicos com algo de Festival da Canção, há um vocalista na forma de ébrio contador de histórias, com um toque sombrio à Leonard Cohen e sem percebermos nada do que diz (apostamos que será difícil mesmo para os experts em francês). Há alguns momentos mais interessantes, como algumas progressões de bateria ou umas vocalizações femininas mais agudas que nos remetem para a magia das vozes búlgaras, mas parece-nos curto para o distintivo rótulo que apresentam.

Continuámos pela língua francófona e infelizmente com mensagens pouco perceptíveis (mesmo quando fala em inglês).Baloji é um belga nascido no Congo que não esquece as suas origens: as políticas, a propósito da eterna instabilidade africana, e as musicais, através da rumba congolesa que acompanha o hip-hop que lhe sai da garganta. Em palco, é uma verdadeira personagem e entertainer de excelência, algures entre o burguês instalado e o subversivo mobilizador de massas. Pena que tenha um discurso algo difuso, mesmo quando, antes da versão do clássico Indépendance Cha Cha, fala de colonialismo e da comparação da situação vivida em Portugal, Espanha e Grécia com o continente africano de há 30 anos. Em termos sonoros, a magia vem da maravilhosa guitarra soukous, que canta e encanta por si mesma, ou de algum esporádico momento do baixo. Em contrapartida, a presença de uma cantora gospel, qual Whoopi Goldberg “do Cabaret para o convento” soa a aposta falhada. Num concerto irregular, marcado por alguns momentos algo atabalhoados, ficou, até ver, o soundbyte do festival: “this is not your fucking world music, this is our music”.

O fecho do Castelo fez-se com uma autêntica máquina debulhadora. “History repeating, one more time” vociferam vezes sem conta os Dubioza Kolektiv no primeiro tema. E cá estão eles novamente, um ano depois da estreia em Sines. Antes disso, já uma voz google translate, em Português do Brasil, tinha pedido aos presentes para darem as boas-vindas à banda e saltarem com eles. Não há muito a dizer sobre esta malta: mistura de Limp Bizkit e Primitive Reason sempre a abrir (ou Gogol Bordello em versão parola), sem pausas ou concessões, numa espécie de entrada a pés juntos, usando o léxico futebolístico adequado às camisolas que a banda usava (talvez de um clube bósnio). A que não faltaram os devidos “fuck the police”. A organização citou-os como “um dos melhores concertos do FMM Sines 2012”, houve quem dissesse que foi “pobre, muito pobre”. Respeitando a multidão eufórica, favorecida pela abertura de portas do castelo, diremos que foi divertido, muito divertido, divertidamente mau (mas sem dar a volta). Keep rollin’, rollin’, rollin’…