Tens saudades de Montemor-o-Novo e de todo aquele processo de gravação? Que importância teve esse espaço físico no resultado final de “Cabeça”?
Tenho, sem dúvida! Foi um belo espaço para trabalhar num disco. Já conhecia bem Montemor-o-Novo e já tinha estado no Convento da Saudação, embora desta vez a experiência tenha sido diferente. É difícil ser concreto a explicar a importância ou influência que teve no disco, mas é facílimo sentir que teve um impacto claro. Um espaço importa não por aquilo que tem de físico, claro, é essencialmente aquilo que lhe adivinhamos entre as paredes, os ecos, o calor e as moscas… Isso de algum modo influencia quando se toca, bem ou mal.
“Cabeça” ressoa cru, mais centrado na guitarra do que nunca. A guitarra respira naturalmente, sem aditivos ou adornos de estúdio. Era este o teu plano inicial para o disco?
Tem adornos de sala e do espaço. Era o que procurava e que talvez interesse procurar num disco deste tipo. Era esse, talvez o único, plano.
Que importância tem a Cláudia [Guerreiro; baixista de Linda Martini] na essência de Filho da Mãe? Foi importante ela estar presente durante as gravações?
Claro! Sempre que nos aparecia (a mim e ao Gui) com um mojito perfeito a meio da tarde abrasadora, fazia-se logo uma música! Salvou-nos muitas vezes… Desenhou, fotografou, filmou e mais tarde tocou. Faz parte do disco, como tem feito sempre. No entanto, nessa semana de gravação, embora bem acompanhado e com importantes opiniões, estive muito mais entregue a mim mesmo do que no outro disco. Mas como um disco não se faz só em frente dos microfones, e porque duvido que alguém perceba melhor do que ando para aí a fazer do que ela, creio que tem sempre importância, estando ou não nas gravações.
Muitos defendem que a arte é uma expurgação dos males interiores. São esses sentimentos negativos também o teu combustível, particularmente em “Cabeça”? E em Filho da Mãe no geral?
Tudo é combustível. Acho que as coisas más – não sei se lhe hei-de chamar más – fazem parte das coisas e são importantes para que aconteçam muitas coisas boas. Sim, tem coisas más, ou que pelo menos são vistas como más por algumas pessoas, se fossemos todos positivos e sorridentes a toda a hora dava um tiro na cabeça. É bom que haja pessoas dessas – sempre em cima – mas é bom que haja pessoas com aquele feitio de merda para equilibrar as coisas… Gosto de pensar que algumas das minhas músicas têm este equilíbrio.
Que imagens te percorrem a mente, quando concebes uma melodia e quando a levas, já em formato canção, ao palco?
Gostava muito que tivesse uma resposta bonita em relação às coisas que me passam pela cabeça quando toco, mas não creio que tenha.
Como resumes esta tua recente dupla jornada, na ZDB e no Passos Manuel? Sentes que a tua música está a atingir mais pessoas?
Não sei… Parece, mas é difícil de dizer concretamente. Tenho tido sorte. Tenho tocado para muita gente em sítios bem bonitos, mas também já toquei para poucas em outros tantos… Acho que vai continuar a ser assim. Se calhar, é bom que assim seja.
As tuas raízes punk, libertas no frenesim de If Lucy Fell, estão para sempre associadas à convulsão, ao caos de palco. No final de um concerto, mesmo tendo-o feito sentado, sentes-te igualmente exausto, tal como, calculo, te sentias depois de um gig de ILF?
No fundo, a sensação é parecida e levito. Mas num, os ossos e o cheiro a carne, no outro, sinto coisas que não sabia que tinha… Saio às vezes com ar de parvo dos concertos, nem sei bem o que fazer, preciso de fumar cigarros e beber alguma coisa.
Essa escola punk, que nos ensina que, acima do virtuosismo e da perfeição técnica, o que interessa é ofeeling, permanece fundamente em Filho da Mãe?
Não sou de escolas, de qualquer uma. Mas não sou contra nenhuma ou contra qualquer abordagem. Acho que privilegio ofeeling, sim, e acho que isso vem essencialmente do punk ou do rock, mas não é propriamente uma escolha, é como é. Querendo, não sei se conseguia fazer doutra forma. Ainda bem que não quero…
O “prego”, também tão habitual no punk, por vezes abre portas para o inesperado. Como diria o Miles Davis “If you hit a wrong note, it’s the next note that you play that determines if it’s good or bad”. É comum, ao vivo, redescobrires os teus temas a partir de um erro?
Não sei se redescobrir é o termo para mim… Mas lidar com isso pode ser divertido, especialmente se for num loop, em que sinceramente não há outra hipótese mesmo.
Nunca tiveste a tentação de, quando em casa, depois de te surgir uma melodia, pensar “ficava bem aqui fulano x” e convidar um amigo teu para entrar num tema? Manter Filho da Mãe uma exclusividade tua é fundamental?
Nada é fundamental em termos de estrutura, mas acho que Filho da Mãe é algo que existe a solo essencialmente. Mesmo que me vá juntando a outras pessoas isso não quer dizer que perca sentido estar sozinho no palco.
Essa mesmo exclusividade aplica-se à guitarra ou vês Filho da Mãe a abrir-se para outros instrumentos? E, quiçá, palavras?
Não vejo problema em relação a outros instrumentos. Palavras, por enquanto, só nos títulos das músicas ou nos textos que vou escrevendo… Gostava de escrever – e talvez até vá – escrever uma canção para alguém, mas em que medida isso é Filho da Mãe já não sei…
Concordas com quem conecta o teu trabalho a uma certa portugalidade, intitamamente ligada à guitarra de Carlos Paredes e, até, àquela ruralidade bucólica, tão marcante na identidade nacional? Ou chateia-te essa associação?
Chateia-me mas não discordo por achar que interpretações são válidas. Não sinto essa coisa bucólica… Sinto coisas urbanas do dia-a-dia. Sinto coisas terrenas, lama, chão, pedras, sinto coisas normais, como sinto coisas estranhas, daquelas que se dizem em segredos. Percebo a referência do Carlos Paredes… Está em tantas guitarras ao mesmo tempo.
Que reserva 2014 para Filho da Mãe? E para outros projectos teus?
Vai correr tudo bem.
Que discos, livros, filmes, viagens, etc., te têm marcado neste início de 2014?
Os livros? Aqueles que ainda não acabei de 2013 e alguns que estão pendurados desde 2012… Não anda a correr muito bem isto. Em relação ao resto… Acho que acordei agora em relação ao novo ano. Estive em Londres e Southend a tocar com Filho da Mãe e If Lucy Fell… Muito bom estar na estrada fora com aquela gente de sempre e para sempre, espero.