Começou sozinho, sentado numa cadeira que reconhecemos de um qualquer café. De guitarra em punho, um aceno de cabeça para o público e um ruído cheio de grão, como que a dar um contexto lo-fi e propositadamente descuidado ao cuidado amaciar das cordas da sua guitarra.

As linhas de Rui Carvalho, carinhosamente Filho da Mãe quando assoma ao palco, são o exacto oposto do ruído. São vozes que parecem chorar, cantar e conversar alegremente ao mesmo tempo. São paisagens que parecem contar uma história, tal comoRui ali sozinho no centro do palco. Um caminhante que vive para viver e para partilhar as suas histórias cheias de reverberação, tonalidade e coração. É assim Helena Aquática de guitarra no chão, é assim a música de Palácio e aquela que aí vem: com a emoção à flor da pele, o peito cheio e o coração palpitante no seu interior.

Talvez por isso Rui diga que o rock vive ainda nas linhas tecidas sem electricidade, mas ainda bem resplandecente e pulsante. Afinal, a sua música é feita camada sobre camada, de crescendo em crescendo, de queda em queda. Como a construção de uma história, de uma vida de um ser. Ali, naquele palco pequeno para o sentimento daquela guitarra, o blues está numa mão e Portugal ressoa na outra. Em Vaca Velha ouve-se um carrilhão de sons atrás de uma enxurrada de fúria melodiosa, tempos em contratempo e uma vertigem que não se vai embora. A ousadia de saber brincar com pedais e querer dominar o som repete-se tema após tema e a execução, exímia, leva-nos com ele a atingir uma euforia extática a que se chega com uma dose saborosa de cansaço satisfatório.

É assim, com uma falsa gentileza sentimental, que Rui diz que estamos ali para celebrar com ele. E com ele estavam também cinco convidados que transformaram a última parte do concerto num momento provavelmente irrepetível. João Shela, João Nogueira, Makoto Yagyu, Hélio Morais e Cláudia Guerreiro, forças motrizes de outras andanças e outras paragens – Linda Martini, PAUS, If Lucy Fell, I Had Plans, Asneira, entre outros -, que assomaram ao palco para elevar (ainda mais) a noite. O ambiente ficou cheio, o ar adensou-se e caminhou-se firmemente por uma trama adensada que do enigmático psicadelismo cedo se atirou a uma estrutura em tudo semelhante ao pós-rock.

Acompanhado, Rui parece estar a dar uma aula: professor ao centro, pupilos a rodeá-lo emotivamente e em sincronia. Aquilo que se sentiu ali foi acima de tudo honestidade e entrega. Um momento belo e único em que se viu emotividade síncrona e que deixou marcado e vincada a transcendência e a espiritualidade raramente bem concretizadas do pós-rock.

E depois, abruptamente, o adeus. Sem encore, apenas um genuíno obrigado. Neste país de vícios que não fogem, foi bonito ver a comunhão entre público e músico. E melhor ainda, foi bom ver o Maria Matos esgotado a ovacionar e aplaudir calorosamente – e de pé – Rui Carvalho, gentilmente auto-apelidado de Filho da Mãe.