A Associação Terapêutica do Ruído convidou uma série de terapeutas nacionais e internacionais para um congresso em Lisboa a que chamaram de, surpresa das surpresas, Festival Terapêutico do Ruído. Lá estive no último dia do congresso, com a presença do Dr. Tiago Sousa, os doutores Bypass e o trio de grandes especialistas L’Enfance Rouge.
Infelizmente, falhei a primeira intervenção de Tiago Sousa, e começo desde já por apresentar as minhas desculpas ao próprio e à organização. Pelo que me contaram vários pacientes que assistiram à sessão, só me chegou coisa boa, mas mais não posso dizer porque não vi.
Vamos então às duas intervenções a que assisti. Os Bypass, em promoção do seu novo álbum – Like mice and heroes -, são simpáticos, têm uma sonoridade rock apelativa e relativamente pesada. Vão beber a vários terapeutas importantes ligados ao rock progressivo e ao hard rock, mas isso traz-lhes alguns problemas: parece uma manta de retalhos mal amanhada, falta alguma consistência nessas junções e a coisa perde-se um pouco lá pelo meio. Com isto não quero menosprezar o seu papel, é um caminho que está a ser explorado e que tem as suas potencialidades. E foi um bom aquecimento para o que se ia passar a seguir.
Os L’Enfance Rouge não enganam: subiram ao palco e começou o frenesim eléctrico que iria nos iria acompanhar o resto da noite. É difícil de descrever como toca este trio – composto por François R. Cambuzat na guitarra e na voz, Chiara Locardi no baixo e na voz e por Jacopo Andreini na bateria -, mas o mais fácil é começar por dizer que é explosivo. Com uma atitude (e uma grande pinta) punk e irreverente, mas bem tocado, com umas pitadas que roçam o industrial, vão cilindrando ruidosamente a plateia. Quando se diz ruidosamente que não se confunda com noise, não é bem disso que se trata, trata-se antes de uma fúria e empenho constante em mostrar ao que se vem: não deixar ninguém indiferente com a locomotiva que têm à frente. Cambuzat é o grande protagonista, extremamente irrequieto, a suar passados cinco minutos do início do concerto, dá tudo o que tem sem se importar muito com o espaço à sua volta; Chiara Locardi contrasta pelo seu ar melancólico e mais sofrido, que pode fluir rapidamente numa fúria mais imprevisível; e a bateria de Andreini é de uma barbaridade forte e certeira que mete impressão.
Pouco falaram com o público, mas isso pouco importava. Não havia tempo, era preciso tocar sem grandes distâncias. Estão lá como nós e a altura do palco é uma miragem transponível – o baterista Jacopo Andreini pediu duas vezes para a malta subir ao palco, só na segunda vez conseguiu. Enquanto que o concerto começou ‹‹tranquilo›› (as aspas são muito importantes aqui), após cerca de uma hora de concerto François Cambuzat pergunta se queremos mais – ‹‹If you want more you’ll have to scream or we’ll just fuck off›› -, e gritou-se bem por mais. A partir daí a coisa acelerou, pouco faltou para Cambuzat saltar do palco, partindo parte do projector que o iluminava a partir do chão, e o ritmo já se tinha tornado bastante intenso.
No fim ficou uma certeza: só não tocaram mais porque tinham que sair para dar lugar aos DJs. Foi uma bela tempestade para ‹‹fugir ao quotidiano››, como parece ser o objectivo da Associação Terapêutica do Ruído. E é aí que os L’Enfance Rougeganham, na atitude e no apedrejar do que é ‹‹normal››, porque nem a sua sonoridade é muito variada ou perfeitinha com grandes solos e vozs bonitas, mas movimenta-se em quem quer viver de forma diferente porque é diferente.