Depois das emoções da noite anterior, a expectativa e a musicalidade continuaram, ontem, no Teatro Aveirense. Desta feita, um pouco mais preenchido, ou não fosse cabeça-de-cartaz a senhora de culto Scout Niblett.

A primeira a subir ao palco foi Mariana Ricardo, perto das 22h, com os atrasos da praxe. A singer-songwriter lisboeta não se apresentou sozinha, contudo. Com ela, vieram Nuno Pessoa – dos Coldfinger –  na bateria e Bruno Duarte – dos München – no baixo. Com uma carreira impressionante, Mariana Ricardo é, actualmente, membro dos München e dos Rock Group Society, tendo participado na composição do argumento e da banda-sonora de Aquele Querido Mês de Agosto, filme marcante português, da autoria de Miguel Gomes.

Vestida normalmente, de jeans e camisola, a antiga cantora dos Pinhead Society saudou o público e agarrou no seu ukelele, levando-nos por um roteiro folk-popextremamente feel-good rítmico e dançável. Sóbria, com uma excelente e bem colocada voz, Mariana Ricardo percorreu o seu EP, Across the way going, de 2008, com temas como Sunday is a Common Day ou My Case is a Different One, canção que, aliás, deu inicio ao espectáculo.

Musicalmente irrepreensíveis, Mariana Ricardo e a sua banda fizeram um concerto em comunhão, cheio de cadência, em que os papeis do baixo, da bateria e do ukelele(pandeireta, ferrinhos  e maracas também foram utilizadas) tinham o seu próprio espaço, merecido, destacando as músicas e abrindo lugar para os vocais doces, numa música simples, crua, que pode bem ser retratada como “um dia cheio de sol”. Sim, isto é Mariana Ricardo.

Despedindo-se do público, antes ainda houve tempo para apresentar a banda e agradecer toda a ovação que estava a receber, informando que o seu trabalho está disponível, gratuitamente, no site da extinta editora Merzbau.

Passado um curto intervalo, entraram em cena os Here We Go Magic.

Em estreia no nosso país, os norte-americanos não enganam ninguém quanto à sua proveniência: é que têm aquele toque próprio das bandas indie-rock do nicho de Brooklyn. Talvez por isso, a sua sonoridade que, por vezes, roçava o dream-pop, nos fez lembrar uns aclamados Interpol, mas em versão ainda mais verde.

Depois do checksound, o colectivo liderado por Luke Temple (guitarra e voz) arrancou na apresentação do seu álbum de estreia homónimo, editado no ano passado, que mereceu o maior destaque em publicações como a Drowned in Sound ou a Pitchfork. Aliás, daqui a uns meses, é editado um novo LP desta banda, intituladoPigeons, e Aveiro recebeu alguns dos novos temas que o compõe, como Old World United.

Os Here We Go Magic sabem fazer jus ao seu nome. Por entre um psicadelismo etéreo e uma bateria vigorosa (muito boa!), há tempo para os loops sonhadores dos teclados e para os solos de guitarra que nos ficam no ouvido. Mas são as quebras e os decrescendos, carregados de efeitos e de reverbs, que nos dão aquela sensação de magia, enfeitiçante, sensorial. Explodindo, com uma força incrível,  ora em distorção, ora em momentos mais slows, ora na voz de Luke (apesar de todo o grupo cantar), a música destes norte-americanos é harmónica e consegue-nos fazer sair do corpo (magia?!).

Simpáticos, os senhores de Brooklyn confessam que se sentem felizes por estarem em Aveiro, elogiando o público, a cidade e até a banda de abertura, Mariana Ricardo. Mas o momento final está a chegar e, despedindo-se, protagonizam um momento verdadeiramente electrizante, junto ao baterista, que vai decrescendo até terminar. Que barrigada musical que este festival está a ser!

Claro que já se sabia de antemão que a musa da noite ia ser Scout Niblett. E ninguém foi para casa desapontado. De saia branca, simples, não antes de alguns contratempos com o material de som, a inglesa (que, actualmente, reside nos Estados Unidos) pega na guitarra e arranca com a sua actuação sem dizer palavra.

Melancólica, triste, moody, Emma Louise Niblett de seu nome apresenta-nos ali, despida de artefactos, mas inteira, muito inteira. Como se tivesse feito tudo por si mesma, para chegar onde chegou, Scout canta da alma Just Do It!, onde o verso “I’m a doer”, saem do coração, da mente e do corpo.

Dona e senhora de si mesma, a singer-songwriter é emotiva,  visceral, com a sua voz límpida, e com a sua guitarra cheia de distorção, solando em palco, cheia de força, como se a raiva toda no mundo se descarregasse num acorde com reverb. São pés que já caminharam muito, os de Scout Niblett. Talvez por isso, foi o seu quinto e mais recente álbum, The Calcination of Scout Niblett, que esteve em destaque nesta actuação intimista.

Com a companhia de um baterista, a cantora marcou o último dia do festival Curvo, tendo até tempo para fazer uma mãozinha na percussão. Tempestuosa, percebemos por que é comparada a PJ Harvey, esta Janis Joplin moderna. É que o seu sensorial é tão grande, tão sentido, tão humano que nos consegue arrepiar e abalar.

Neste espectáculo organizado e crescente, é quase profeticamente que Niblett profetiza, já mais para o fim, que “we’re all gonna die”. Em certa forma, uma verdade, porque ouvir a Scout é quase como morrer um bocadinho e ressuscitar depois, com a sua força vocal.

O festival Curvo terminou, então, da melhor maneira. Espera-se mais para o ano, num evento que nos deixa tanto de saudades, como de expectativas futuras.