Nada há que lhes possamos ensinar. A naturalidade não cresce por entre as sebes – e mesmo ela que estivesse à mão de qualquer sabujo, os Eyehategod estariam já bem servidos por serem tudo o que nos mete mais inveja: espontâneos. Na era em que se puxa pelo like cósmico, em que se arfa como um bode aflito por atenção, de patas enfiadas num estéril bacanal de hashtags, osEyehategod, naquela charmosa e miserável mortalidade que só os sábios carregam, continuam absolutos no despretensiosimo. Para esta fútil contemporaneidade de merda, onde muitos se julgamexpert por terem uma caixa de comentários entalada entre os dedos, eles puxam da única verdade, que lhes sai da boca como uma porca escarreta: não sabemos nada.
Essa consciência da ignorância e da finitude humanas nunca lhes foi libertadora. Antes, um salvo-conduto para a auto-destruição descoberta em garrafas vazias, enterrada na pele por sonâmbulas e cítricas agulhas. Vinte e sete anos depois, como nos vai dizendoJimmy Bower no backstage, «you pay the bill, brother». O guitarrista, que ainda há dias tinha estado no Hellfest para o primeiro concerto europeu de sempre dos Superjoint Ritual, aparece de bengala – a dor ciática que lhe aperta as costas e a perna num espasmo contínuo obriga-o a encostar-se ao amplificador. Mike IX, o anti-profeta dos salmos-cadáver, mostra a Lisboa os pés chagados, esquartejados, purulentos de (só mais) outra tour que parecia não ter fim. Mas tem. No RCA.
Qualquer outra banda optaria por arrumar a trouxa e zarpar. OsEyehategod não. Meteram-se em Frankfurt e vieram para o único concerto na Península Ibérica em largos meses, mesmo com a tour manager a enganar-se no aeroporto – «She fucking messed up the airport», balbucia o Mike enquanto se faz ao catering com a mão direita; a esquerda carrega um saco da farmácia. Conscientes de que por cá o nicho é pequeno. Que somos, invariavelmente, as mesmas carantonhas ano atrás de ano – o RCA não enche para a estreia dos EHG na capital e, ao longo do concerto, o arsonist Williams vai-nos pedindo amor com a trôpega sintaxe «you need to give us some love, man».
Mas a atitude não se trasveste de imposturice. São, à excepção do malogrado LaCaze, os mesmos que em 2011 tocaram para vinte pessoas em Barcelos. Os mesmos que há dois anos ofereceram ao cheio Milhões de Festa uma noite como poucas. Não lhes importa se é o Roadburn, se é o Roskilde, se é o sabonário RCA Club em noite de verão com as mangas arregaçadas – “Take As Needed For Pain” castiga, “White Nigger” espezinha, o combo “Blank” com a “Shoplift” fragmenta e “Framed To The Wall” tortura. O feedback, como reflexo condicionado da indigência, pendura-nos pelos rins e esbofeteia-nos a focinheira com “Jack Ass In The Will Of God” ou abukowskiana “Lack Of Almost Everything”. E o blues, o blues estropiado pela escravidão, torna “Methamphetamine” uma ode ao pessimismo dominical que se arrasta na via sacra de “Run It Into The Ground” até ao fim.