Tom,
Em boa hora tu e os teus camaradas voltaram a Portugal. Seis meses depois de vos terem entregue aos bichos, no palco secundário (?!) daquele festival onde se vai viver e pouco ver, agora deram-vos dois espaços bem mais apropriados aos vossos 20 anos de carreira: o Teatro Sá da Bandeira, no Porto, e a Aula Magna, provavelmente a melhor sala de espectáculos de Lisboa. Vieram apresentar Keep You Close, talvez o vosso disco mais fraco, o que não vos impediu de darem um grande concerto.
A abrir, estiveram os vossos compatriotas belgas Hong Kong Dong. Autores de uma pop musculada, glamourosa (nomeadamente devido à postura de Sarah e Boris, casal de irmãos que lidera a banda), com laivos psicadélicos, esotéricos (destaque para o tema interpretado por Sarah com um véu verde sobre o corpo) e mestiços, a fazer lembrar por vezes os Yeasayer. Há alguns solos de guitarra e elementos electrónicos mais duvidosos, mas fica a ideia desta ser música com um carácter divertido e descomprometido, expresso em títulos como Lesbians Are a Boy’s Best Friend. Com On a Sunny Day, terminaram 40 minutos de um agradável aperitivo para as estrelas da noite.
Demorou pouco mais de uma música dos dEUS… o tempo que a plateia demorou a ceder aos teus apelos, Tom, de abandonar o conforto das cadeiras para pouco mais se voltar a sentar (ouvi dizer que o público no Porto esteve morno, mas aqui não terás grandes razões de queixa). Foi com o bem gingão The Architect, cheio de estilo e com um efeito de luzes a condizer, que isso aconteceu. Antes, já The Final Blast tinha mostrado porque é um dos melhores temas do último disco, mais denso e negro e com os teclados mais simplistas a surgirem dissipados. Depois, o último single Constant Now, tema que parece mostrar em disco que os dEUS estão longe dos velhos tempos, foi uma agradável surpresa. É que vocês conseguem curiosamente aliar a experiência de velhas raposas de palco com uma entrega e uma frescura próprias de certas bandas que estão a dar os primeiros passos. Com o catártico Oh Your God cumpriu-se a primeira sequência, irmãmente dividida pelos dois últimos álbuns, com a plateia já praticamente rendida. O assalto final ficou por conta dos gloriosos regressos aos grandes discos dos anos 90: In a Bar Under the Sea e The Ideal Crash. Do primeiro houve a fantasmagoria e a intensidade dramática de Theme from Turnpike (faltou o sopro, mas nós fingimos não reparar) e o grande tema que é Little Arithmetics, fusão perfeita entre o lado mais experimental e ruidoso (ténue) e um sentido melódico que aprofundariam no futuro. Do segundo houve o apropriadamente dormente Sister Dew, a mostrar como a tua voz, Tom, continua absolutamente incrível, e, claro, não poderia faltar a nostalgia absoluta de The Instant Street, com uma aceleração previsivelmente apoteótica.
Os ânimos baixaram um pouco com novas passagens por Keep You Close, mas não de forma significativa. Não só porque o alinhamento foi muito equilibrado, mas também porque o tema título é, em formato mais clássico, uma bela canção, porque The Dark Sets In teve uma dinâmica visual que disfarçou eventuais fraquezas desta composição ou porque Ghost ganhou um inesperado groove e contou com uma deliciosa suspensão a meio, antes do arranque final. Nos entretantos, com Nothing Really Ends ou Bad Timing, ficou mais uma vez demonstrado porque é que são absurdas as críticas a Pocket Revolution, disco que transportou os dEUS até ao século XXI. O primeiro foi a lindíssima canção de amor que é em estúdio, com um xilofone maravilhoso, e só foi pena que nenhum casal tenha aderido ao teu apelo para ir dançar para a frente. Já Bad Timing tem uma distorção maior que o Mundo, com algumas proximidades com o post-rock, e foi o ponto perfeito para anteceder a vossa primeira saída de palco.
No encore, começámos por ouvir a tua longa declamação sobre o fim do amor, em The End of Romance, antes de embarcarmos no comboio nocturno de Sun Ra, rumo ao delírio final. E a derradeira apoteose fez-se com a curtição de Fell Off The Floor Man, com aquele desprezozinho tão cool, e uma versão extensa, que serviu também de apresentação dos músicos, do ainda mais antigo Suds & Soda, de 1995. A nostalgia adolescente no seu esplendor, do mítico “Buraco Negro” de Coimbra, bar que já não poderás conhecer porque fechou há cerca de dez anos.
Enfim, o público ainda pediu de forma incessante um encore, mas vocês não voltaram, talvez por contingências da própria sala. Seja como for, nós desculpamos essa ausência, esperando eu que vocês me desculpem o facto de eu não ter tirado as notas devidas para um acompanhamento mais rigoroso do concerto. Eu levei o moleskine para o fazer, mas não consegui ficar sentado e resistir ao ritmo do vosso espectáculo.
Aguardamos o vosso regresso. Aliás, tive pena de não assistir ao teu set no Lux, no dia 27 de Janeiro. É que tu e a tua malta, para além de musicalmente óptimos, parecem ser tipos bem porreiros para beber um copo. Fica para outra oportunidade.
Grande abraço,
João