A noite de 28 de Novembro no Vox Café da Voz do Operáriomarcou o último evento do ciclo de concertos “Sons da Liberdade” produzido pela Arquitectura do Ruído e que levou, desde Setembro e todas as sextas-feiras, projectos dos mais variados quadrantes a esse espaço mítico da Graça em Lisboa.

A apadrinhar a noite, o duo urbano-campestre DESLIZE a apresentar o segundo lançamento intitulado “Setembro” e que documenta a passagem do projecto no festival Condomínio bem como apresenta mais trabalho de estúdio. Pelo menos era este o pretexto se bem que a natureza improvisada do projecto levaria, de forma mais ou menos evidente, a deambular novos caminhos na incessante busca de um equilíbrio desequilibrado e que acaba por representar de forma precisa a tensão constante em que se balançam João Sousa e Hélder José.

Movendo-se de igual forma na exploração, tanto de caminhos acústicos como de paisagens electrónicas, as guitarras (uma acústica outra eléctrica, claro está) preenchem um pano de fundo marcado por samples de poemas perdidos ou eclosões de máquinas em falhanço. O espaço é ocupado de forma quase frágil e indetectável em vários momentos para depois se estilhaçar em vidros de uma aspereza invulgar. No meio de tudo há, no entanto, um lugar de descanso por entre a gentileza de acordes repetidos de forma hipnótica o que confere à desordem um certo magnetismo melódico.

É no fundo na contradição que DESLIZE melhor se caracteriza. Não é, portanto, de espantar que a luta constante entre a dissonância e melodia (embora esta última sempre engolfada em estranhos devaneios) vá criando momentos de caos tanto como certa harmonia contemplativa. Não será, assim, invadido de hipérbole falar na representação da clivagem permanente entre a cidade e o campo como lugar metafísico para a música do projecto. É, aliás, este facto que vai contribuindo para o interesse e que fez com que quase uma hora de apresentação tenha sido ocupada quase num ápice.

O penúltimo acto contou com a presença de André Jonas no baixo e criou uma parede de som mais espessa e robusta contando-se o momento como o mais abrasivo da noite. Antes, e pelo mesmo convidado, a declamação de um texto imbuído de lamento urbano como que a transpor para a palavra a paisagem sonora até então construída. Após esta intrusão uma calma estranha e amarga invadiu o desfecho do concerto tendo permanecido fantasmagoricamente já depois do acender das luzes.