Colocar Deftones no saco do nu-metal será, porventura, um dos maiores erros contemporâneos dessa bela arte de catalogar. Os rapazes de Sacramento sempre demonstraram uma clara tendência para explorar diversos campos musicais, entre eles o trip-hop, o post-rock e até o math metal – tão bem ilustrado por Stephen Carpenter, o guitarrista dos Deftones, que sonha um dia poder tocar em Meshuggah.Diamond Eyes prova que, apesar do infortúnio estar sempre ao virar da esquina, é possível permanecer de pé e descobrir o poço da vitalidade. É conhecido o infeliz episódio que atirou Chi Cheng, o baixista de sempre da banda, para um coma profundo em 2008, devido a um acidente de viação. E quando a banda deu por cancelado o novo álbum, que se intitularia Eros, muitos indagaram ser o fim da linha para Deftones.

 Mas, qual Fénix, a banda inspirou-se no triste acontecimento para gravar novo registo. Convidaram Sergio Vega, velho conhecido dos Quicksand – banda que fez várias tours com Deftones – e iniciaram os ensaios para aquele que viria a serDiamond Eyes, o 6º álbum de originais e o sucessor de Saturday Night Wrist (2006).

E se Saturday Night Wrist foi um registo que desiludiu a maioria dos fãs, muito em parte devido à sua sonoridade mais próxima – em vários momentos – de uns Team Sleep (projecto paralelo de Chino Moreno) do que com o som característico de DeftonesDiamond Eyes remente-nos para aquele “feeling” implacável de Around the Fur (1997) e White Pony (2000), embora com um som mais cru, directo e não tão polido.

Apesar de Chino referir que é um álbum menos agressivo e mais optimista do que Eros, sente-se claramente o ímpeto para uma sonoridade vincada, pesada e sempre mesclada como inúmeras passagens melódicas. Existe aquela ultra-violência àAdrenaline? Não. Mas está inerente um peso conferido pelos riffs low-tuned de Carpenter e pelo trabalho rítmico de Abe Cunningham e de Sergio Vega, que proporcionam uma profundidade cativante e fria, à qual respondemos afirmativamente com o nosso balancear de cabeça.

Em faixas como Diamond Eyes, a música de abertura, sente-se essa densidade rítmica, tão bem alimentada por uma melodia quase hipnotizante presente no refrão… É como se os Deftones se tivessem mascarado de Meshuggah, adoptando uma postura não tão caótico-maníaca, mas mais atmosférica e espacial.Sente-se, por fim, a coesão e a junção dos dois pólos da banda: A agressividade de Stephen Carpenter e a onda depressiva e melódica de um Chino Moreno que cresceu a ouvir The Cure – e que está de volta à sua melhor física e vocal, mantendo inalterado o talento para escrever poesia.

De realçar igualmente a dinâmica de todo o registo. A uniformidade da composição está bastante bem trabalhada, havendo uma interligação natural entre as músicas. É como se estivéssemos a ouvir sempre a mesma faixa, mas subdividida em vários capítulos sonoros. Não há quebras, nem “fillers”, mesmo que se alterne entre duas faixas distintas, como acontece entre Risk (quiçá a melhor do álbum) e 976-EVIL. Não se nota um tom forçado, nem uma tentativa tempestuosa de recuperar a “angst” da adolescência…são uns Deftones imensamente amadurecidos artisticamente.

Se este Diamond Eyes fosse classificado na Escala de Richter, tornar-se-ia num fenómeno natural que abriria fendas enormes na crosta terrestre, enquanto o céu permaneceria no seu tom azulado e angelical, impávido e sereno, como se tudo estivesse tranquilo. E tanto nos podemos deliciar com essa paisagem celestial, ao som de Sextape ou Beauty School, como podemos fazer parte de uma intensa actividade sísmica, se ouvirmos CMND/CTRL ou Rocket Skates.

É o verdadeiro ponto de equilíbrio, paradoxalmente encontrado num dos momentos mais conturbados da história da banda. É uma janela aberta quando a porta se fechou. Daqui a uns anos, quando colocado em perspectiva, não será propriamente bizarro se Diamond Eyes for amplamente considerado um dos marcos da carreira dos Deftones… Aliás, será natural. Várias músicas deste álbum teriam lugar cativo emAround the Fur ou White Pony.

Deftones está num dos melhores momentos da sua biografia e eu, que tive a oportunidade de vê-los no Tivoli em Maio e no Optimus Alive em 2010 (cliquem para ver a review do P.A. sobre o 2º dia do festival, onde foram headliners), posso confirmar que ao vivo fizeram-me lembrar míticas performances como a do Festival Bizarre, em 1998. Continuam avassaladores e prontos a abraçar o que o futuro lhes conceder.

P.S.: Se possível, dêem uma checkada nas covers bónus do álbum. As de Drive Like Jehu e de The Cardigans estão um “must”!