Esgravatando a árida terrinha onde há tanto se encontravam tumulados, os esquálidos Slowdive tiveram, quiçá pela primeira vez, vontade de apanhar sol. Essa ânsia de abrir a portinhola do jazigo, por lá comatosamente deixar os Mojave 3 e desgrenhar, uma vez mais, o cabelo shoegaze leva-os este ano de país em país. Inocência? Nostalgia de uma juventude perdida entre charros e o reverb que neles tão bem respirava? Capaz. Ou então é culpa desta ex-miudagem hardcore, agora enfiados na casa dos trinta, que descobriu nos My Bloody Valentine a segunda leva de pulmões artísticos – findado que está o oxigénio punk, afixemos-lhes o post.
“Buried Under A World Of Roses”, preambular registo, está de tudo isso impregnado. Na cadeira ainda nos ajeitamos, quando de lá vem uma batida cheia de prazeres (des)conhecidos: sentimos que “Disorder” jamais declarou óbito e “She’s Lost Control” não quis ficar para sempre aninhada na divisão onde Ian Curtis cedeu. Esvoaçam elas, incontáveis noites depois, noutros quartos, obrigando em 2014 os Death Of Lovers a recontarem profecias de Manchester não à luz da vela incerta, mas sob um moderno e melancólico resfolgo.
Nicky Palermo, o mesmo que de um suicidário niilismo alimenta NOTHING, entoa a incorpórea “Shaken” como se língua e voz tingidas estivessem pelos alucinógenos que curvaram Robert Smith em 1988 aos azedumes da depressão; o tema-título enche-se de Peter Hook e na solidão dança. Apático à ressonância que a bateria lhe atira, o baixo vocifera grave, como se o mundo circundante a ele tão indiferente fosse quanto “Commodore” e o mar foram para Stephen Crane. “The Blue Of Noon”, neste EP acto último, escreve-se naquele secreto verbo que todos nós guardamos para a possibilidade de o final, o final de tudo, podermos de cadeirão contemplar. Um slow a tinta nocturna, preso a nada, solto de eco em eco – seis minutos que sublinham o nexo de neste projecto também haver digitais impressões de Whirr.
A perícia no resgate, de subtilmente recuperar os carpideiros fragmentos de outrora, anexando-os pecinha a pecinha numa prostração que lhes é inata, faz com que estes contemporâneos projectos não só revisitem, como inoculem ao post-punk/shoegaze uma vitalidade que estes não mais esperariam. Se Neil Halstead sabe hoje de ansiosas gentes por capítulos ao vivo de “Pygmalion”, parte da responsabilidade assenta nos braços de quem lhes tem soprado o pó.