A banda de rap do Porto assume-se na fase mais luminosa dos seus dezassete anos e consensualmente Mundo, Expeão, Maze,Fuse e DJ Guze revelaram que nunca estiveram em melhor forma. A ansiedade geral que a “Alvorada da Alma” tem suscitado, elevada pelo afável “Bom Dia” que Ace graceja no refrão do adiantado primeiro single, comprova-o. Culpa também das segundas-feiras, onde no facebook da banda têm semanalmente sido anunciadas colaborações de peso. No dia desta conversa constavam da lista nomes como Emicida ou Nach, onde agora constam igualmente os nomes de Manel Cruz e Elizabete Silva. Falámos disto, de possibilidades, da “Alvorada” no geral e do rap portugês em particular, um pouco sobre o passado, mais sobre o presente.

 “Alvorada da alma” já podia ter sido título de um disco anterior?

Mundo: Não, não tinha. É uma rima nossa. Essa rima é de uma música do Maze do álbum “Dealema” de 2003.
Maze: Não estava pensado para ser um título mas fazia todo o sentido ir aproveitar essa rima e usá-la como título do álbum.

Como surgiram as colaborações internacionais já reveladas no vosso facebook?

Mundo: Não foi muito premeditado. Algumas das colaborações já queriamos ter feito há mais tempo (nomeadamente o Nach).
Maze: Aliás, estivemos com ele precisamente neste backstage há dois anos atrás e foi aí que surgiu a ideia de fazermos uma música.
Mundo: Em relação ao Kid Mc e ao Emicida: nós temos uma pessoa que trabalha connosco (a Carina), que tem uma relação próxima com esses artistas. E nós que, de certa forma, queriamos ter colaborações internacionais das quais admiravámos o trabalho, surgiu a oportunidade de termos o Kid e o Emicida. Entretanto vieram cá a Portugal: o Kid veio propositadamente para gravar connosco e o Emicida estava em tour e aproveitou, foi lá ao estúdio e gravámos. Fizemos tudo cara-a-cara em estudio sem ser aquele processo internet de enviar.

Este foi um objectivo pré-definido para este disco?

Mundo: Sim e não. Foi uma coisa expontanêa. Como temos muitos fãs em Angola, Moçambique, Brasil. Foi algo expontanêo pensar em fazer música com o pessoal dali que admira o nosso trabalho e há uma certa empatia. Surgiu naturalmente.
Maze: Há mais o objectivo, que temos falado, e este disco tem-nos encaminhado nesse sentido que é começar a tocar lá fora. Acho que é um objectivo e seria muito interessante, tocar nas comunidades portuguesas, percorrer a lusofonia toda, ía ser uma grande experiência para nós.

Além disto, o que podem mais adiantar sobre o disco que aí vem?

Mundo: A roupagem dos instrumentais é um pouco diferente.
Maze: O número de convidados é uma grande diferença relativamente aos outros discos.
Mundo: Mas nomeadamente é um bocado isso. As nossas rimas continuam a ter mais ou menos as mesmas mensagens, a roupagem dos instrumentais nós tentamos consoante o conceito do disco ir actualizando.
Maze: Ambientes mais luminosos. Fomos beber mais ao soul e ao funk.
Mundo: A temática é a “Alvorada da Alma”, a alma, é também uma metáfora com o soul que temos samplado muito. E como é um disco mais luminoso mesmo na parte das letras é esse o fio condutor de todo o disco.
Maze: E é um renascimento pós trevas da “Grande Tribulação”, no fundo.

A ep “Arte de Viver” representou um espécie de viragem na sonoridade dos Dealema?

Mundo: Foi um laboratório de experiências esse ep. Em que tinhamos cinco seis faixas e quisemos experimentar. Chegámos a uma altura da nossa carreira em que queriamos ir por vários caminhos. Fazer coisas que não fariamos num álbum e que podiamos experimentar num ep.
Fuse: O “Arte de Viver” é aquele volume que tem o seu lugar, o seu espaço, só fazia sentido daquela forma. Tivemos a discutir isso ontem, por acaso, a analisar: nunca íriamos pegar naquele conjunto de músicas e acrescentar outros temas para fazer um disco grande. Aquilo fazia sentido ser assim.
Mundo: Até porque na altura estávamos a gravar a “Grande Tribulação” e parámos para fazer esse ep, a convite do Henrique Amaro, e depois do ep continuámos a fazer a “Grande Tribulação”. O ep trouxe uma nova sonoridade para as pessoas, porque nós já a conheciamos há muito tempo. O Expeão já fazia esse tipo de produções, eu também já fazia beats que bebiam um pouco de soul e com o ep decidimos fazer isso: tirar essa sonoridade de casa e mostrá-la às pessoas.

Como encaram a inclusão do rap num festival como o Misty Fest?

Maze: É excelente estar aqui. É bom saber que nos escolheram para representar um estilo. Para darmos a cara pelo hip hop num festival tão vasto, com um leque tão alargado de artistas e estilos como o Misty Fest. É um prazer fechar o festival.

De que forma avaliam a importância que o rap tem adquirido ao longo dos anos no panorâma músical e mediático português?

Mundo: Claro que é importante. Mas o mediático é um bocado relativo para uma banda como nós que tem dezassete anos, dizer que é mediático. Estou-me a referir à perspectiva que a sociedade tem do hip hop: falam sempre como sendo uma coisa que está a acontecer agora quando bandas como nós, MDG, Sam The Kid,NBC e outros mais, andam aqui há mais de uma década. E acho que nós já somos a prova viva que estamos presentes na sociedade e que o hip hop é uma coisa que se vai manter durante muitos anos. Já marcamos a nossa posição.
Expeão: Ja não é uma moda que vai passar, é algo instituido. É muito bom para nós e é bom para Portugal, porque aqui estamos sempre um bocado atrasados. Noutros países nem podias fazer essa pergunta. As pessoas já nascem a ouvir rap, é um estilo que se ouve no mundo inteiro: no mainstream 80% é hip hop e 20% é o resto. Mas nós cá temos esta questão do rap estar à parte. Na rádio portuguesa não passa rap, não conheço mais nenhuma rádio que não passe rap do próprio país.
Fuse: Mas mesmo assim está muito melhor que antes…
Maze: Sim, estes ciclos todos foram de constante evolução.
Mundo: Estamos constantemente x anos atrasados relativamente ao que já aconteceu em França, por exemplo. É a latência portuguesa. Mas esta é a melhor época: prefiro ter trinta datas num ano do que termos três concertos, seria uma hipocrisia da minha parte.
Fuse: As coisas mudaram muito. Nós testemunhámos isso estando no activo à dezassete anos: tu antes tinhas a imprensa, hoje é maioritariamente imprensa digital e tens as redes sociais. As radios estão a morrer, há meia duzia de rádios fortes mas que ainda apostam muito na música americana. E tu hoje questionas o que é mediático. O que é mediático? É o que bomba nos facebooks. As bandas hoje em dia questionam-se: tu vais fazer um video para a televisão? Não, vais fazer um video para o youtube e partilhas nas redes. Nem precisas de fazer um video para a tv. Os canais de televisão também estão a morrer, corromperam-se completamente e passam lixo, 80% lixo. Eu lembro-me, há uns anos atrás sair uma notícia de Dealema no jornal, “Hi, grande cena”, os fãs íam comprar o jornal e tal. Hoje recebes uma noticía de Dealema em dois minutos e ao terceiro minuto tem duzentos likes. É isso o mediático hoje em dia, é imediato.

Qual a ligação entre os vossos projectos paralelos e o colectivo Dealemático?

Mundo: Solidificar o projecto e, ao mesmo tempo, porque bebemos todos de fontes diferentes, reedirecionar mais fãs para os Dealema, basicamente. Isso dá-nos mais força e mais experiência.
Maze: Cada um tem a liberdade de criar a sólo e experimentar outos caminhos e depois juntar esses cinco caminhos num só, que é Dealema. Foi uma lição que aprendemos muito cedo com uma banda chamada Wu Tang Clan.

Em termos de concerto a “Alvorada da Alma” trará novos apontamentos (já pensaram actuar com banda)?

Expeão: Já pensamos nisso desde o inicio mas nunca se proporcionou porque complica muito a logística, nós já somos muitos em palco.
Mundo: E o próprio som. Porque há uma coisa, que é nós sermos um grupo de hip hop convencional e não termos de recorrer a instrumentos para nos aceitarem. Nós podemos ir a um festival e partir o palco ao meio secalhar mais depressa que uma banda com dez gajos. E nós gostamos disso.

Qual a filosofia central do colectivo?

Mundo: Eu acho que cada um deve ter um apontamento. Mas o ingrediente principal é fazermos aquilo que realmente gostamos, e sermos livres ao ponto de fazermos tudo o que nos apetece sem ter que justificar nada a ninguém.
Maze: Isso é impagável.

Sendo Dealema uma banda muito crítica desde sempre, como definem a força do rap como um veículo de consciêncialização?

Mundo: O rap é uma dos principais veículos de consciêncialização na música. Secalhar o principal, mesmo. Por causa do poder da palavra. A palavra tem o papel principal no rap e tem um poder enorme. Temos uma música neste álbum que é “A Palavra é a Arma” com o Kid Mc e fala exactamente sobre isso. O rap tem esse poder. Tu vais ouvir uma música de outro estilo e muitas vezes com oito frases fazes uma música. No rap oito frases é pouco. O rap depende praticamente 80% da palavra, o beat é quase uma coisa secundária. Essa é a principal diferença em relação aos outros estilos de música.