Depois do indesejado rótulo de fado western e de alguns pormenores latinos, Lisboa Mulata foi apresentando como sendo a incursão dos Dead Combo por territórios africanos. O single homónimo confirmava essa ideia e fazia-o da melhor forma, com uma cadência rítmica deliciosa, a puxar valentemente para a dança e a garantir logo o estatuto de um dos melhores temas da banda até ao momento.
Quando se ouve o resto do disco, percebe-se que a influência africana não é de todo transversal a todos os temas. É, acima de tudo, um disco mais simples e cru, com bastante menos arranjos que o anterior Lusitania Playboys e assente essencialmente nas guitarras, não só de Tó Trips e Pedro Gonçalves (em alternância com o contrabaixo), mas também, em alguns temas, do convidado americano Marc Ribot: uma das grandes influências da banda portuguesa. Desengane-se, no entanto, quem pense que esta crueza implique qualquer lógica mais ríspida. Há por aqui, nas entrelinhas, bastante força emotiva, seja na desconstrução popular da deliciosa Marchinha do Santo António Descambado,na beleza da melódica em Cowboys Cure For Jah ou na melancolia de Aurora em Lisboa e Ouvi o Texto Muito Ao Longe, declamado por Camané e escrito por Sérgio Godinho, naquele que será o primeiro tema com voz da banda.
Falta, contudo, falar do que é provavelmente o momento mais arrebatador do disco: Esse olhar que era só teu, com referência a Amália e criado num trabalho cinematográfico com o realizadorBruno Almeida, numa manipulação artística de gravações antigas da grande fadista. Com a simplicidade de uma viola e uma guitarra eléctrica (sem arranjos electrónicos), é daqueles temas com uma alma e uma magia próprias, capazes de reinventar e dar uma nova expressão a um género, no caso o fado.
Enfim, rótulos e caracterizações à parte, Lisboa Mulata é o reflexo de uma banda com uma identidade cada vez mais forte, com um som cada vez mais universal e com uma qualidade cada vez mais indiscutível. Portanto, um firme e forte passo em frente.