Quando surgiu o anúncio de que David Bowie tinha programado um novo disco, uma boa fatia do seu público, ou seja, todo o mundo com real interesse musical, viveu um sentimento de felicidade, mas que também coexistia com o receio. Observando a frio, neste momento, já nada teria a provar. Contudo, mesmo depois da sua hibernação e das notícias contraditórias sobre a sua pessoa, o risco de edição e as suas consequências, era eminente.
The Next Day sintoniza uma atitude quase perversa. Por um lado, sente-se, ao longo do mesmo, o desejo de ouvir algo novo que marque diferenças claras com o seu passado, mas também, faixa após faixa, o medo de que estas novas canções consigam descaracterizar tudo aquilo que ele tem feito ao longo destas dezenas de anos. Felizmente, o sexagenário tratou de dissipar tais preocupações.
Bowie tem-nos prendido com as suas diversas fases e personagens, que o próprio tem tratado não só de lhes fazer o velório, como também o enterro e, com The Next Day, a dúvida com que se fica no fim é qual será a sua máscara desta vez. Não tem. O seu décimo quarto disco é, porventura, o seu longa-duração em que mais se sente uma iminente sinceridade e proximidade, parecendo que está a cantar para nós e só para cada um de nós. Consegue-nos mostrar a profecia da desgraça, mas também enfeitiçar-nos com a esperança. No fundo, como alguém que tem o descaramento de nos dizer o que está errado, mas também a influência de nos apresentar uma solução. A sua voz soa fresca e reconfortante, mas também estranhamente ameaçadora, apesar de nunca a levantar. Instrumentalmente, não é o mais forte, no entanto, quando o seu timbre surge desta forma, não há muito que se possa apontar ao trabalho feito nos arranjos.
Se existiu alguma virtude no seu desaparecimento ao longo dos últimos dez anos, terá sido a incerteza que provocou e o facto de nos ter limpo a memória acerca daquilo que nos poderia mostrar. Não existindo uma noção musical próxima no tempo, estaríamos mais predispostos a recebê-lo e também a entendê-lo. Por isso, não é de estranhar que o novo registo soe como um álbum que consegue passar por diferentes fases; que consegue motivar com,Dirty Boys e The Stars, mas também mexer emocionalmente, com Where Are We Now ou com Heat. Ou mesmo a mudança repentina de carácter que se sente na passagem de (You Will) Set the World On Fire para You Fell So Lonely You Could Die, torna-o numa sobreposição de tantas e diferentes sensações.
Pouco importa se este é o disco em que o camaleão recolhe a sua pele para não mais aparecer. A certeza é que se regressar novamente, estaremos prontos para o receber. Se assim não for eThe Next Day for mesmo o último, que vá pelo deserto tranquilo. Tarefa cumprida.