Os dois concertos vistos nesta noite de Sábado num Musicbox cheio foram o completo oposto um do outro menos naquilo que mais interessa: a qualidade. Noite de boa música dada por duas bandas de dois estilos totalmente diferentes, mas ambas igualmente louváveis dentro do que fazem. Dois concertos, dois belos momentos de boa música.
Os primeiros foram, então, os Long Way To Alaska, entrando em palco já após a meia-noite, com um ar algo tímido que só lhes fica bem; tanto a eles quanto à música que fazem. Há toda uma expectativa há volta deles de momento, com Eastriver, o seu bom álbum de estreia, a ser extremamente bem recebido, e com um pequeno grupo de admiradores já a formar-se rapidamente (algo facilmente visível pelos groupies que andavam espalhados pelo Musicbox). Essa expectativa (enfim, chamemos-lhe hype) percebe-se melhor vendo-os ao vivo que ouvindo-os em disco. É em concerto que os Long Way To Alaska se revelam como uma pequena pérola, como algo que hoje em dia começa a ser cada vez mais raro: uma banda constituída por jovens que, simplesmente, tocam muito bem. Boas linhas de baixo, guitarras eléctricas que compõem belas melodias, um vocalista principal/baterista (sejamos honestos: haverá coisa com mais estilo que um baterista que canta enquanto toca?) com voz cativante e com óptimas backing vocals por trás; canções feitas com muito bom gosto, onde o que interessa são as melodias bem pensadas e executadas, tocadas muito bem, entregues de forma profissional por uma banda que, de facto, se assume facilmente como uma grande promessa dentro do que por cá se faz.
É notável a forma como conseguem transportar o ambiente calmo e aberto das suas canções para um espectáculo ao vivo, não se perdendo nenhuma das camadas que em disco conseguem por vezes verdadeiramente encantar; veja-se o alegre jogo entre guitarras de Flamingos (um dos melhores momentos, sem dúvida), por exemplo, ou aquele baixo tão bem definido de Long Beach Palm Trees. Conseguir colocar num primeiro disco construções tão boas como United Colors of Patapon é um feito, mas conseguir ao vivo tocá-las tão bem é outro ainda maior. Deram um concerto bem ritmado, sempre consistente, com a banda a mostrar estar em boa forma, e com o público sempre atento e conquistado. Cada membro domina muito bem o seu instrumento (há que dar destaque ao baixista), mudando por vezes até naquilo que tocam, revelando tiques de multi-instrumentalistas; da eléctrica à acústica (que funciona tão bem na belíssima Nandaio), do baixo à guitarra, ou até da bateria ao acordeão, como a certa altura fez de forma virtuosa o baterista/vocalista da banda, já perto do fim.
Quarenta minutos de uma banda jovem a mostrar um talento que não é comum, e que agora apenas precisa de algo que apenas o tempo pode dar: crescimento. Têm um bom álbum de estreia, ao vivo conseguem impressionar, e se agora são assim imagine-se como serão daqui a uns anos… Um projecto jovem que vive daquilo que todos os outros, novos ou velhos, deveriam viver: boas canções tocadas de forma ainda melhor. Há ecos de Grizzly Bear, de Wilco, de um certo dream pop e de um certo folk, e todas essas referências são usadas para criar algo que acaba por ser único. Os Long Way To Alaska são os Long Way To Alaska, e por cá temos poucos como eles.
E após a demonstração de virtuosismo que deu esta banda jovem, por entre guitarras que criam um ambiente aberto e belo como o campo (mesmo dentro de uma sala escura e de pedra como o Musicbox), entram os Darkstar, o trio electrónico que continuaria tão bem a noite, ainda que num tom completamente diferente. Digamos isto: a certa altura, pouco antes da entrada da banda em palco, as luzes apagaram-se por completo e a escuridão inundou totalmente a sala; de certa forma, foi como se as luzes não se tivessem voltado a acender.
O que os Darkstar fazem, por entre samples, beats, e toda uma panóplia de sons que aquele trio (antes eram duo, mas depois arranjaram vocalista) faz aos teclados e sintetizador (e um vocorder à la Mogwai também pelo meio), é algo que o género electrónico raramente vê. Já não são tão dubstep como antes foram (decidiram reformular-se), e agora há quem se atreva até a chamá-los de synthpop. Têm elementos de ambos os estilos e de muito mais, não se prendendo a nada; rótulos não interessam, e a verdade é que conseguir criar ao vivo ambientes tão envolventes e por vezes intensos como fizeram neste concerto mostra uma enorme mestria no que se faz. Têm já o estatuto de banda inovadora e talentosa dentro do que fazem, e mostraram merecê-lo.
North é, por si só, um excelente álbum de estreia que viu a luz do dia no ano passado (após anos a lançar singles, remixes e covers, e a ganhar um público fiel e devoto), mas ao vivo ganha uma dimensão mais intensa. Veja-se When It’s Gone, por exemplo, que ao vivo consegue até criar resonância emotiva com o espectador, ou a grande experiência que foi Deadness. Os tiques do vocalista (de cabelo comprido e ora com capuz, ora sem ele), algo exagerados assentam miraculosamente na música que canta, e ao vivo todo o tom negro e soturno das canções passa para o espectador, criando verdadeiramente um ambiente que envolve todos os presentes. O corpo nunca pára de balançar (o público pareceu todo ele mais que satisfeito do início ao fim), os sons electrónicos nunca páram de chegar, e tudo converge na perfeição, criando um concerto que consegue, por vezes, ser uma verdadeira experiência. Sempre melódico e negro, nunca energético, mas sempre intenso.
Foi, por vezes, como uma verdadeira muralha de som (a canalização deve ter tremido uma vez ou outra). Cada efeito sempre bem encadeado, com a dupla principal (um à direita e um à esquerda, com o vocalista no meio) sempre em pleno controlo das máquinas que tinham à sua frente. É, afinal de contas, um mero jogo de sons e de camadas; por vezes, pareceu que os Darkstar fazem com os sintetizadores e teclado o que as bandas de post-rock fazem com as guitarras: um ritmo em cima do outro, acrescentando-se lentamente um a seguir ao outro, até que quando dá por si o espectador está numa verdadeira maré sonora. São, simplesmente, mestres no que fazem.
Não chegou a uma hora, e faltaram canções (Aidys Girl Is a Computer…) mas bastou para comprovar todo o talento do trio (e, claro, em particular daqueles dois que manipulavam tão bem tudo o que ouvíamos). Para o encore ficou a óbvia Gold, single de apresentação do álbum, que conseguiu ser de facto muito provavelmente o grande momento da noite, com os corpos a não resistir às melodias rápidas e belas; foi, para todos os efeitos, o momento da noite que mais merece a definição de lindíssimo. E só no final dessa canção, só quando os sons pararam, é que o envolvimento terminou, e o espectador acordou da viagem. O vocalista despede-se enquanto sai do palco, os outros dois não e saem sem olhar o público, e fica-se com a vontade de ouvir mais daquelas longas e tão bem criadas canções, de voltar ao ambiente escuro e envolvente para que nos tinham transportado.
No primeiro concerto da noite, viveu-se uma viagem ao campo, sentiu-se o calor e o ar livre; no segundo, viveu-se uma descida às trevas, a um poço ou a um túnel, onde vive o calculismo e a densidade. Ambos óptimos dentro do seu género (os Darkstarmelhores dentro do que fazem; normal, dado a sua maior experiência), numa noite de diversidade onde deu para viver, felizmente, o melhor de dois mundos. Os primeiros revelaram-se como uma promessa e uma verdadeira pérola, os segundos confirmaram todos os elogios que há já algum tempo recebem. Foi-se da escuridão à luz, e a viagem não podia ter sido melhor. Agora espera-se apenas que chegue rapidamente a oportunidade de uma estadia mais longa em cada uma das paragens.