Depois de nas últimas semanas se ter assistido a dois concertos no mesmo local, de Glenn Jones e Thurston Moore, a ZDB mostrou que não há duas sem três e coube a Daniel Higgs retomar o desfile de ícones. Imagine-se a experiência de vida que seria desfrutar do trio no mesmo palco.

Ao longo de cerca de hora e meia, aquilo que se presenciou poderá ser descrito como uma experiência extra musical, transmitindo no seu conjunto um formato de música em tom de vivências. Daniel Higgs teve o condão de transformar com o seu carisma um concerto numa sessão de histórias musicais.

Aquando da subida ao palco e assim que se senta, solitário, no seu banco, logo se nota que a acompanhar o seu banjo apenas traz a sua presença peculiar e as deambulações racionais acerca do que se vai lembrando em certos instantes ou em virtude daquilo que se vai passando no exterior. Extremamente comunicativo, define o vidro que separa o aquário da ZDB do exterior como uma televisão, e largas foram as vezes em que, não deixando de dedilhar no seu instrumento, falava acerca de algo que se passava fora do palco. Assim, enquanto toca assume-se como contador de histórias simples que lhe passam pela mente, dando a impressão que a sua memória e pensamentos não cessam e são transponíveis para o conjunto extenso de cordas que tem ao seu cuidado.

Se ao ouvir o seu álbum anterior, Say God, se poderia interpretar as declamações faladas ao longo do disco, como momentos de expressão, porventura, mais irrascíveis, na Galeria ZDB esses mesmos devaneios, opiniões e histórias eram traduzidas sob a forma de risos e sorrisos.

Daniel Higgs, ou o homem que foi capaz de tornar Peer Amid dosThe Skull Defekts um disco grandioso, não se limita apenas a tocar banjo, mas também a acompanhá-lo com murmúrios imperceptíveis ou com assobios que conferem uma intimidade muito própria, transpondo-se para o campo da meditação. Tal como afirmou, cantar é benéfico para a saúde mental e física e consequente bem-estar. A avaliar por aquilo que se testemunhou, a transmissão para quem esteve presente decorreu de forma subtil, mas eficaz. Um legado que nos foi a todos conferido. Um legado único de cariz humano e familiar. Um legado de proximidade para e com o público. Por fim, uma transmissão de carisma, sensibilidade e sabedoria. A noite de um mestre.

Num dos vários momentos em que se dirigiu aos presentes, afirmou que não conseguia tocar em banjo os sons dos pássaros, no entanto, iria tentar fazer som que os mesmos pudessem gostar. De certo que gostariam e a ti, Daniel, deixo-te estes dois quartetos de Ken Follett, Os Pilares da Terra:

“Uma cotovia, apanhada na rede dum caçador,

Cantou então mais doce que nunca,

Como se a cadente melodia

Pudesse voar e a rede desfazer.

Ao cair da noite, o caçador levou a sua presa,

A cotovia, a liberdade nunca mais viu.

Todas as aves e os homens têm a morte certa,

Mas as canções podem ter vida eterna”

As canções de Daniel Higgs terão, certamente, vida eterna e se durante Beyond and Between referiu inúmeras vezes I Will Return, aquilo que se pode desejar é que esse regresso se concretize num curto espaço temporal.