Perto das nove e meia, já se estendia ao longo da rua, desde a porta da Musicbox, a habitual fila dos dias de concerto nesta casa lisboeta. Desta vez, o atractivo eram “apenas” os Cynic, pela primeira vez como headliner’s de um concerto em solo português, e o argumento foi mais do que suficiente para praticamente encher o espaço – certamente por a maior parte dos presentes ter uma certeza que nem sempre se pode ter em relação ao mundo da música (mesmo quando falamos das nossas bandas preferidas): a de um concerto irrepreensível. E esta certeza é tanto mais certeza porque cumpriu as expectativas sem desiludir ninguém e sem deixar espaço para qualquer dúvida quanto à competência destes excelentes músicos (só não escrevo estas duas últimas palavras em maiúsculas porque fica feio no texto e dizem que é falta de educação).

Posto isto, já deu para perceber que para quem conhece a banda não houve grandes surpresas. Como vem sendo hábito, e nem podia ser de outra forma, tocaram, praticamente na íntegra, os dois álbuns dos seus quase 20 anos de carreira e ainda mais qualquer coisa: Wheels Within Wheels do recém-editado EP, Re-Traced. O primeiro registo da banda, Focus (1993), saiu todo de uma assentada e pela respectiva ordem. Seguiram-se as primeiras músicas de Traced in Air (2008), acompanhadas pelas vozes dos muitos presentes e intercaladas por bem dispostas conversas da banda com o público. A seguir a Evolutionary Sleeper, e antes de baralhar a ordem do último CD para tocar King of Those Who Know, Paul Masvidal agradeceu o entusiástico apoio dos presentes e pediu ajuda para cantar, confessando estar com problemas na garganta – e para que não restassem dúvidas, pois até então ninguém tinha notado o contratempo, o vocalista e guitarrista da banda tomou mesmo a medicação em palco. Quanto ao acompanhamento vocal, já se tinha feito sentir antes e voltou com força nas músicas seguintes, especialmente em Adam’s Murmur. É importante frisar este quinto músico da banda (ou seja,  o público) porque não há nada como estar num concerto em que se percebe que as pessoas são conhecedoras do que estão a ouvir: não há palmas fora do sítio e todos respeitam os silêncios e as paragens a meio das músicas. Num concerto de Cynic este aspecto faz muita diferença (não é nenhum pormenor elitista), acima de tudo pela carga ambiental das suas músicas, que ganha uma dimensão extra ao vivo.

No fim, depois duma sentida e muito simpática despedida destes músicos exímios, gritou-se bem alto “Cy-nicCy-nic“, não sei se para retribuir a simpatia ou se para pedir um encore (algo pouco provável, já que não sobrava mais nada para tocar). A noite terminou com os elementos da banda misturados entre o público, ora para trocar dois dedos de conversa, ora para distribuir autógrafos pelos CD’s comprados. Resta-me dizer que, ultimamente, há poucas noites em que saio dos concertos sem dores na coluna – não por velhice, mas por ser pouco resistente ao tédio – e hoje nem dei pelo tempo passar (há quem diga que a coluna é a melhor crítica de arte e eu concordo). Por isso mesmo, nota 10 para a qualidade técnica destes músicos, nota 10 para a qualidade do concerto e das músicas ao vivo, nota 10 para a simpatia que espalharam, e, finalmente, nota 10 para o público, bem composto e competente.