Passaram mais de quatro anos, quase cinco, desde o último lançamento de Cult of Luna. Para a velocidade do mundo contemporâneo talvez seja demasiado tempo. Mas CoL não produz ao ritmo das exigências do consumo, nem tão pouco o faz com o propósito fetichista de alimentar um nome que é merecidamente alvo de algum culto. Em contracorrente com a tendência que faz com que a previsibilidade e a inocuidade se apoderem das bandas quanto mais conhecidas se tornam e quanto mais seguidores atraem, CoL não perde a ousadia. O que a torna uma banda distinta de todas as outras é precisamente a entrega incondicional a essa especial forma de criação que é a música. Trilhando um caminho indiferente às convenções das etiquetas musicais que lhe são coladas ou mesmo às expectativas daqueles que os seguem, atiram-se invariavelmente a novos terrenos criativos sem nunca caírem no pretensiosismo ostensivo. Vertikal é por isso mais um exemplo da capacidade de superação e reinvenção que sempre caracterizou os suecos. Tudo isto sem que o som da banda perca a sua identidade ou se transfigure de um trabalho para o outro, ou, por outras palavras, sem que a banda perca o seu peso e o seu negrume. Para começar pela conclusão, Vertikal é, sem dúvida, um dos melhores e mais consistentes trabalhos de CoL e (para ir ainda mais longe) dificilmente não figurará numa grande parte dos top’s de 2013 (a não ser, e assim o desejo, que 2013 seja um ano particularmente fértil no que à música diz respeito).

I: The Weapon, a primeira música a ver a luz do dia – e uma das músicas mais geniais que CoL ofereceu ao mundo, diga-se –, deixou desde logo evidente que vinha aí um trabalho pesado em todos os aspectos e sem grandes complacências. Quando tantos antecipavam, em especial desde Somewhere Along the Highway (e, ainda por cima, com a recente saída de Klas Rydberg), a secundarização da voz em CoL, esta explode com toda a brutalidade logo no primeiro segundo do tema. E o coro? Quem não se surpreendeu com a sua aparição e ficou com ele a martelar repetidamente no subconsciente? Sem palavras. Assim se fizeram as apresentações.

Depois duma pequena introdução que não nos prepara para o abalo avassalador que estamos prestes a sofrer (perdoem-me o cliché), é precisamente com I: The Weapon que o disco arranca – acelerado, frenético – até nos abandonar ao desconforto do canto embalador de Passing Through, o tema magistral (mais um) com que as cortinas se fecham até a uma próxima audição. I: The Weapon, juntamente com a faixa que se segue, Vicarious Redemption, um épico de quase 20 minutos que nos afoga em definitivo na escuridão de Vertikal, sintetiza quase tudo o que distingue esta obra colossal. Nelas sente-se a forma aterrorizadora como se transitará entre os trechos mais ambientais e minimalistas e as partes mais pesadas e brutas, sente-se a dimensão épica que marca alguns momentos do álbum com o ecoar do sintetizador a emergir do meio da violência sonora, sente-se o movimento pendular sobre os instrumentos que nos agredirá com a sua monotonia, sente-se, enfim, toda a frieza e génio deste trabalho.

Essa frieza é indissociável do universo Metropolis que serve de mote para a obra. As partes ambientais são, em Vertikal, mais negras, minimalistas e repetitivas, dispensando muitos dos floreados usados no passado. Os sintetizadores assumem um papel de destaque, reproduzindo muitas vezes um registo maquinal que contribui para o ar pesado e estéril da paisagem urbana industrial, ao mesmo tempo que nos conduzem pelo universo distópico do filme de Fritz Lang. O ambiente sinistro e as mutações arrebatadoras que caracterizam Mute Departure são ilustrativas. Mas Synchronicity, com o ritmo compassado que marca a sua parte final, depois do balanço e groove do poderoso riff que irrompe no segundo terço da música e ao qual rapidamente se junta um sintetizador que o torna ainda mais intenso, é um dos temas em que melhor sentimos a força da acção repetitiva da máquina transformada em música.

Sendo uma obra magistral e absolutamente desafiante, em momento algum sentimos qualquer redundância na composição ou na produção, tal como não sentimos qualquer pedantismo nos elementos que a compõem. Não há virtuosismo exibicionista ou sequer autocontemplativo. Mais do que noutros trabalhos da banda, sente-se em Vertikal uma inter-relação profunda entre todos os instrumentos e camadas de som que o tecem. Perceber a ideia concreta, inspirada no referido filme do realizador austríaco, subjacente ao processo de composição e com que a banda entrou em estúdio ajuda a compreender o sucesso da fórmula. Johannes Persson, numa esclarecedora entrevista dada recentemente à ATTN:MAGAZINE, revela como se impuseram limites ao trabalho criativo de modo a estimulá-lo e de que forma o ambiente que se queria reproduzir no álbum se materializou na produção, nos arranjos e na própria abordagem aos instrumentos – revelada por exemplo no recurso constante a downstrokes para imprimir o efeito maquinal que perpassa a obra.

Talvez pareça uma contradição acabar a chamar refrescante aVertikal, especialmente depois de ter sublinhado insistentemente o cinzentismo, o desconforto e a frieza que o pautam. Mas uma palavra que serve para definir o desafio e o génio deste trabalho não precisa de ser confundido com a estética que o caracteriza. Em Vertikal estão reunidos os elementos que tornaram CoL uma banda especial e que ligaram o seu nome a obras intemporais.Vertikal pode ser visto como a cúpula desse percurso. Mas só o tempo o dirá.