Já foram do Coliseu. Depois meteram-nos no TMN Ao Vivo. Agora estiveram no Paradise Garage. Os anos aumentam mas o espaço para os Crystal Castles em Lisboa diminui. Coisa directamente proporcional aos colhões do mundo – vão mirrando, murchando, entre canções do Miguel Araújo e posts do Markl sobre como o amor vence até a separação. Isto anda chato para caralho. Perde-se o Lemmy, o Bowie, o Cohen. Ganha-se uma mão cheia de palhaços à procura de conteúdo político em discos de Beyoncé.
Não está tranquilo, não está favorável. Pelo menos, para CC: falam pouco, tapam a cara e, ao contrário do casalinho favorito das redes sociais portuguesas, mostraram que um break-up pode deixar ressentimento e ódio. O Ethan, claro, foi acusado de ser misógino e mandaram-lhe alto pontapé no cu num festival pró-feminista organizado pelo Tumblr. Porquê? Como se a patrulha vitoriana – em nome do bom comportamento, vou castigar-te! – precisasse de motivos… É machista e acabou, pronto, não se fala mais nisso. Substituição na equipa da lógica: sai in dubio pro reo, entra in dubio pro muliere. Se um dia me dissessem que o Diácono Remédios ficaria mais próximo da black flag do que da camisa negra, rir-me-ia muito. Agora não tem assim tanta piada.
Ironicamente, o Tumblr português parecia estar todo enfiado no Paradise Garage – cabelos azuis e rosa, meias rasgadas, cat-eye glasses e uma média de idades ali a bater nos dezoito. Alguns cotas perdidos no meio a sentir o DJ manhoso que fez de primeira parte e outros, mais cá para trás da sala, só queriam ver como é que isto dos Crystal Castles no current year. Até pode passar a ideia de que havia muita gente, mas é só impressão. Foi daqueles concertos onde deu para ir buscar uma cerveja e voltar para o mesmo spot, sem pisar ninguém ou entornar uma gota. A tempo de ver “Concrete” tirar o pio à “New Dawn Fades” – meter Joy Division em loop antes do concerto ainda é um bom hábito dos CC – e ser engolido pela orgia de strobes que veio logo a seguir. Com o power todo lá e o sistema de som do Paradise Garage a cagar-se de fininho para aguentar um “Amnesty (I)” que de meigo não tem nada – impossível ouvir o disco sem ficar com a ideia de que é um statement do Ethan com destinatário óbvio. Tipo Ronaldo depois de enfiar três golos na Suécia: «Eu estou aqui!».
Ele está, ela também. Chama-se Edith – qualquer semelhança com as irmãs Liddell de Lewis Carroll é coincidência, claro -, veste Crass e se lhe déssemos uma navalha para a mão ficávamos de goela aberta. Não tem armas brancas, mas faz o melhor que pode com garrafas de água: despeja-as em cima do público e só não se atira para cima de nós porque tem (ainda) medo de ser demasiado parecida com a Alice. De resto, está lá tudo: a angst semi-adolescente, um aparente apetite pela autodestruição que tem muito de drama queen, as quedas no palco, os guinchos, o microfone como inimigo público número um, de tantas vezes que é atirado para baixo e para cima. O Ethan vai olhando para esse one woman show que afinal de contas ainda é Crystal Castles. Com o sorrisinho de quem sabe ter acertado; nela e nas malhas novas. São as que resultam melhor: “Char”, “Enth”, “Frail”. Tudo impecável. Faltou “Kept” a sério e não só aquela lambidela em modo DJ set.
O mundo a discutir pronomes e eles já a prepararem a banda sonora do transumanismo. Se a proporcionalidade inversa se mantiver, da próxima vez tocam no Sabotage.