A Casa da Música recebeu, no sábado, dia 19 de Novembro, umClubbing Optimus fora do comum: desta feita, todas as salas, nas alturas em que o PA’ as visitou, ofereciam algo semelhante, para contrastar com todos os eventos semelhantes do passado – uma pessoa e um instrumento, sendo que a guitarra foi a norma.

A primeira a cumprir esta regra foi Mary Ocher. Uma espécie de Nina Hagen em versão one-woman-band, de guitarra semi-acústica a tira-colo e o fuzz sempre a burbulhar nas cordas. De ora em quando, a norte-americana, com o seu soutien e os seus óculos berrantes a comporem a voz estridente, usava uma pandeireta para dar ritmo à sua proposta. Contudo, e seguindo a linha de pensamento da mítica cantora germânica, o que era a Nina Hagen sem a sua super-banda? Mary Ocher foi, porventura, um tanto mais chato do que isso, mas conseguiu arrancar efusivos aplausos de uma Cybermúsica sem onde sentar.

Sentar era palavra que já não se aplicava aos Torto. Com uma vontade de experimentar sonicamente próxima daquilo a que o jazz nos tem habituado, o trio apresentou na Sala 2 um rock tão pós quanto os primeiros projectos do género propuseram, bem no coração dos anos 90, piscando ora um olho aos Tortoise, ora esticando o baixo até ao Young Team dos Mogwai. Para o fim, aos três em palco adicionaram-se os dois membros de Srosh Ensemble, encabeçado pelo nome maior do percussionistaGustavo Costa. Juntos, ainda que com uma calma bem ponderada, conseguiram fazer o tecto da Casa da Música tremer. Não houve causalidades, a não ser o resto do Clubbing, que se viu perante a dificuldade de eliminar o bom pedaço com os Torto.

A própria Laetitia Sadier teve de se debater com esse problema, e deu-se mal com ele. Nem a sua bela voz, sobre a guitarra eléctrica que não saiu do canal limpo do amplificador, se conseguiu sobrepor aos constantes murmúrios da audiência, que conseguia rivalizar com o som de palco. Alternando entre o francês fluído das suas canções e o inglês trémulo do seu discurso, conseguiu dedicar uma música, ironicamente, a todos os primeiro-ministros e presidentes de todas as repúblicas que nos deixaram chegar ao ponto em que estamos. A sua solução passou pela greve geral da próxima semana. Laetitia Sadier aprova e bem, todas as manifestações, principalmente as gerais, nas suas palavras. Contudo, nem o seu grito de guerra conseguiu levar à greve o barulho da Sala Suggia.

Felizmente, foi um ruído que Lee Ranaldo conseguiu suprimir. Em oposição ao percurso da francesa, o norte-americano é um rockeiro como já não se inventa, fruto de uma fornada que ainda traz fresca a memória do punk. Ainda que essa escola de música tenha ficado bem enterrada no passado dos Sonic Youth, a vontade de fazer um chinfrim continua a seguir as pegadas do norte-americano, essencialmente por causa do seu arsenal de pedais, que faz com que uma simples guitarra acústica consiga soar a algo de incrível, rico e quase suficiente para tapar o buraco da banda que o guitarrista pensou para as suas novas canções, mais folk e mais directas do que aquilo a que, a solo, nos tem habituado.

As músicas que Lee Ranaldo apresentou fazem todas parte do seu novo álbum, um projecto mais rock, pensado para ser apresentado com banda. Ausência que foi muito amaldiçoada pelo norte-americano, que se apresentou sozinho com as suas guitarras semi-acústicas, ora de seis, ora de doze cordas, e ainda a acusar a falta de concertos (esta foi a segunda vez que tocou as música sem concerto, a primeira vez sem banda) com um ou outro engano, disfarçado com alguns gritos furiosamente engraçados. A verdade é que este velho lobo, mesmo sozinho, tem gabarito para dar um concerto melhor do que muita banda junta, e, por isso mesmo, não admira que tenha sido o performer da noite.

A tarefa estava, por isso mesmo, dificultada para No Kids & Gigi, que realmente falhou no que toca a dividir a atenção do público do Clubbing com Ranaldo. Perante uma Sala 2 mais despida, o norte-americano apresentou as suas canções ao piano sintetizado, todas pintadas com as cores do R’n B e dos seus falsettos, mas que não ganharam mais do que algumas cores cardidas.

Um mal que, de resto, não passou para a actuação que se seguiu, à qual Nick Krgovich também emprestou a sua voz e as suas teclas. Mount Eerie, que além da companhia de No Kids & Gigi também contou com a ajuda do mesmo Srosh Ensemblem que fez tremer a mesma Sala 2 no início da noite. De forma muito mais silenciosa e cautelosa, a voz de Phil Elverum sobrepunha-se levemente à ausência de som que pairava entre os membros da audiência, ora sentados, ora deitados, todos embalados pelas melodias suaves dos norte-americanos. Aquilo que à primeira audição poderia soar a algo chato, revelou-se rico em pormenores de guitarra, a subir os decibéis, ora com alguns tapings marotos, ora com alguns feedbacks bem controlados, o suficiente para manter a atenção de toda a sala onde interessava: no palco.

A última actuação da noite era claramente mais rockeira, num regresso ao formato de baixo, guitarra e bateria dos torto, com a ajuda extra da voz do timoneiro Dean Wareham, que também se ocupava das seis cordas. Com um set completamente focado no seu passado glorioso nos Galaxie 500, o americano conseguiu a rendição completa dos pouco que ainda compunham a Sala Suggia. Com o shoegaze bem encarnado na postura da baixista e a dream pop a soluçar na guitarra de Wareham, que facilmente cedia aos encantos do reverb, a banda actuou a meia luz de forma pouco efusiva. Mas quem é que queria o contrário?

Mas a noite foi, definitivamente, de Ranaldo. O malandro, mesmo com o trabalho de casa mal feito, consegue fazer magia com uma guitarra nas mãos. Três décadas de história dão nisso mesmo, não é verdade?