A minha relação com os Clubbings na Casa da Música é bastante parecida à relação que eu tinha com a minha ex. Passa-se tudo à distância, vemo-nos poucas vezes e, há que dizer, nem sempre gostamos um do outro. Mas quando estamos juntos, é sempre óptimo. Sentimo-nos completos mesmo que mais ninguém nos entenda, mesmo que seja uma relação improvável e que precise até de alguma insistência (Best Youth) e doses extra de compreensão (Suuns). Mas o certo é que depois de se tremer um pouco, a recompensa (Battles) aparece sempre, pronta a lembrar que apesar de estas coisas do amor serem complicadas, valem muito a pena.

Diga-se, não de passagem, mas antes de boca cheia, que a noite podia ter começado da melhor forma. Os Suuns, canadianos em estreia pelo Porto, foram os primeiros a surgir em cena na Sala Suggia e soaram destemidos como se pedia a uma banda estreante nestas andanças, ainda que isso tenha implicado alguma redundância sonora. Bem mais directos e muito menos imagéticos que aquilo que sugeriram em entrevista ao PA’, conseguiram no entanto deixar bem claro que estudaram e absorveram bem todos os ensinamentos ruidosos deixados pelos Sonic Youth, pejando-os aqui e ali de bastante distorção e um fuzz nada estranho aos fãs do stoner-rock. A influência cinematográfica mais declarada acabaria assim por ser a tensão de que alguns temas de Zeroes QC se revestiram que, inocentemente ou não, até acabaram por dar ares de veterania aos Suuns. Um bom desafio para uma noite, essa sim, cinematográfica, tal foi o corrupio de cenários e actos que se iria seguir.

Da actuação dos Best Youth não irá certamente rezar a história deste Clubbing. Os motivos são facilmente apurados, a saber: o volume muito baixo e a falta de arrojo musical do duo portuense. Não entendam mal as minhas palavras, já que a música dos Best Youth não pede propriamente a orquestração sinfónica dos Queen, mas a fórmula (gasta) que junta pós-punk de garagem a uma melodia simples e quasi-circular acaba por não arrancar de nós muito mais que um ligeiro abanar de ancas. Trocado por miúdos, à combustão inibida pelo volume pouco perceptível ficou a faltar uma explosão sonora e oportuna, que fosse de encontro à voz doce e evocativa de Salinas. Sem dizer adeus, mas antes até uma próxima, num espaço mais pequeno e com o som bem mais alto, era hora do acto final da noite. Os Battles preparavam-se para entrar em acção na Sala Suggia.

Acção, por tudo aquilo que evoca, é a palavra que assenta que nem uma luva nos norte-americanos. Acção implica movimento, implica saltos, implica suores e quiçá até implica algum sangue. Os Battles em palco são tudo isso e um pouco mais. Em partes iguais, são feitos da geometria instrumental dos NEU!, da imaginação psicadélica dos Magma e da capacidade plástica de Gary Numan, e não descuram um flirt ousado e cada vez mais claro com os ritmos e balanços pop. E se o aperitivo que foi Africastle – polvilhado a teclados e cores berrantes – não serviu para comprovar as palavras anteriores, Sweetie & Shag (com a únicaKazu Makino) fê-lo com uma sensibilidade e sensualidade desarmantes. Se algo ficou notório é que nos Battles há vida e capacidade de criação no período pós-Braxton. É que mesmo queAtlas – esse tema musculado que é súmula incontornável de tudo aquilo que se poderá categorizar como neo-prog (ou neo-kraut) – tenha sido um dos momentos mais celebrados da noite, é a peganhenta Ice Cream que faz a Casa da Música abraçar a irresistível opulência do trio e virar pista de dança incontrolável.

E é mais ou menos nesta altura que uma coisa fica perceptível:Gloss Drop tem canções enormes que urgem uma revisita em qualquer altura do ano. My Machines é ideal para um dia negro e vertiginoso; Sundome é uma polaroid perfeita de um dia tropical; e a já falada Ice Cream (com a participação virtual de Matias Aguayo) é festiva como os bailes de verão – se bem que com uma pontinha mais aguçada de sofisticação, entenda-se. Há que chegue para todos os gostos e feitios, desde que estejam dispostos a dar um bocado de si mesmos. Seja sangue, suor ou lágrimas.

Felizmente, e à semelhança da tal relação à distância, a satisfação após o acto final não é perene. E embora não me acompanhe o ano todo, é mais que suficiente para sair de barriga cheia e sentir que a vida, assim, vale a pena.

Fugir do assalto sonoro que são os Battles ao vivo, entre sangue, suor e (quase, juramos) lágrimas foi hercúleo. Por isso, chegar à sala 2 e depararmo-nos com um verdadeiro festão, carregado de malhões de riffaria com classe e de ritmo debitado à la gardé pelosShine foi, no mínimo, amoroso. Ainda com pouquíssimo material disponível, este combo inesperado, que resulta como Henry e Anaïs aos amassos sexuais, não é mais do que dança pura, impulsionada pelas palavras que os angolanos debitam e pelo rock sem regras, mas bem alinhado, dos Throes. Inspirados e bem entregues à pequena multidão que preenchia a sala, os Throes + Shine provaram que não há barreiras quando se é bom no que faz, incitando o público, descarregando emoções e abanões de anca. Só pedimos, por favor, que o seu registo vindouro inclua um banho, porque, por momentos, foi muito Verão na Casa da Música.

* Texto de Throes + Shine por Ana Beatriz Rodrigues