Em mais uma noite de Clubbing Optimus, as bilheteiras ostentavam o chavão já gasto de “esgotado”, facilmente justificável pelo baixo custo das entradas aliado à qualidade dos cartazes apresentados, nos últimos tempos. O certame deste mês não seria uma excepção, com artistas como Ariel Pink, Matthew Herbert ou Glasser à cabeça.
Por culpa de quem assina, não nos foi possível assistir ao primeiro concerto da noite, dos nacionais Drumming. Quando, finalmente, chegámos à Sala Suggia, o eclético grupo, habituado a pisar os mais reputados palcos do nosso país, despedia-se da sua audiência, que dava sinais de ter sido agradada.
Posto isto, rumámos à sala 2, onde a norte-americana Glasserfaria a sua estreia no Porto, um dia depois de ter actuado no Musicbox, em Lisboa. Com uma capacidade vocal notável,Cameron Mesirow desfilou, durante os 45 minutos de concerto, o seu disco de estreia, Ring, que a catapultou para a fama, um pouco por todo o mundo. A música de Glasser vive, acima de tudo, da voz de Cameron, executada ao estilo de Björk, até mesmo no que diz respeito a maturidade de carreira. Curiosamente, as influências da islandesa sob Glasser parecem não se quedar à instrumentalização desse objecto, estendendo-se também ao vestuário e à expressividade em palco: durante todo o espectáculo vemos Cameron dançando quase maquinalmente, de saltos altos, mas com a leveza de quem está descalça. O tempo parecia não passar naquele que foi, a par com Ariel Pink’s Haunted Graffiti, o concerto da noite. É que, ao vivo, Glasser, secundada por Van Rivers, produtor (na percussão e nos teclados), ganha uma vida nova, edílica e dançável, fazendo uso de um combo de inspirações – também presentes no disco –, desde as samples quase nipónicas, passando pelas tribais, até, obviamente, à electrónica.
De volta ao espaço principal da Casa da Música, encontramosMatthew Herbert perante uma audiência muito considerável, em transe, a olhar para a escuridão que emanava do palco. Ouvia-se ruído, muito ruído, como os barulhos que Herbert captou para as gravações de One Club, o seu mais recente trabalho, em destaque, a letras gordas. O som e a sua exploração parecem ser as palavras chave deste concerto, ora através de baixos salientes, ora exponenciados pelas suas máquinas. O público, esse, assistia vidrado, tentando-se abanar, interiorizando sons difíceis de interiorizar, não racionáveis. Ainda assim, entre o techno, o palpitar do coração, a electrónica e o suor, foi um bom concerto.
Depois desta agitação, a pausa foi o mini-descanso nos sofás puffs da Cybermúsica, onde Nuno Rebelo, ex-líder dos Mler Ife Dada, munido só de uma guitarra eléctrica e de uma pedaleira, se fez valer de todas as tonalidades que as suas seis cordas, processadas por efeitos, cantavam, pisando os prados do jazz, sempre muito orientado para o experimentalismo das notas sucessivas quasi-aleatórias – ou não fossem os seus movimentos tão precisos quanto as suas intenções.
Laurel Halo, outra estreia na invicta, rumou ao norte depois de ter pisado o estrado, no dia anterior, na Galeria Zé dos Bois, ao lado de Deradoorian. Bem-humorada, a norte-americana começou a sua actuação a fazer piadas sobre o não-apocalipse, que deveria ter ocorrido naquele dia. Esse não-apocalipse reflectiu-se, em parte, na sua música: o seu mais recente EP, Hour Logic, começou a ser exposto a uma sala quase cheia, através dos seus sintetizadores e dos seus samplers, mas não encantou. O conceito não é inovador, apesar da sua óbvia qualidade, algumas arestas ainda precisam de ser oleadas. Talvez numa próxima oportunidade.
Mas, oportuna foi a vinda de Ariel Pink, numa altura em que estamos quase a festejar um ano desde o lançamento de Before Today, o primeiro registo do músico pela 4AD. Com cerca de 20 minutos de atraso, tempo em que nos foi servido uma espécie de soundcheck a acontecer à nossa frente, Ariel Rosenberg surge de turbante vermelho-alaranjado na cabeça, soquetes brancas, tamancos pretos e óculos a condizer, que não tirou durante todo o concerto. Se isto nos podia fazer torcer o nariz, com todos os rumores da ebriedade do Sr. Pink, a hora que se seguiu provou o contrário. Bem-disposto e entregue a um público absolutamente efusivo, o músico centrou-se, basicamente, no seu último registo, com temas como Hot Body Rub, Beverly Kills, Bright Lit Blue Skiesou Fright Night a provocarem o verdadeiro caos na Sala Suggia. Round And Round, também lá esteve, entoada a plenos pulmões, como hino de uma geração que encontrou em Pink a sua matriz identitária. A certa altura, não conseguíamos olhar para trás do espaço, dada a multidão que saltou das cadeiras, juntando-se ao pé do palco. Meninos e meninas em histeria a dançar, a cantar e a observar Ariel Pink, um puto que começou a gravar música em casa e que agora é um dos maiores génios da cena actual. Não queremos com isto extrapolar o valor de Pink – que o tem é inegável -, mas é impossível não vermos em Ariel uma pequena soma da música dos anos 80 (Roxy Music, The Cure, Talking Heads, entre muitos outros), quanto mais não seja nas linhas de baixo ou na qualidade profícua dos Haunted Graffiti, que ontem estiveram, mais uma vez, à altura do desafio. Acima de tudo, a música de Ariel Pink é feita com o tal retalho de memórias com olhos postos no futuro, unificando essas duas vertentes como ninguém o fizera até agora. Claro que, por tudo e sobretudo pelas condições a que teve acesso, Before Today, com o nome indica, é o disco da explosão, o seu trabalho mais unificante entre massas, com a tal ponte do contemporâneo e do lo-fi actual. E isso, aliado à sua capacidade como músico, justifica o que vimos ontem na Casa da Música: um dos concertos do ano.