Há quase 20 anos atrás, a carreira dos Sonic Youth enfrentava dois desafios complicados que poderiam afectar a relação com a sua sonoridade típica e com a sua audiência conquistada. O primeiro desafio tinha como pano de fundo uma obra-prima chamada Daydream Nation. Que fazer depois de um estrondoso álbum que colocou os Sonic Youth nos píncaros da cena rock independente do final dos anos 80? Daydream Nation era o clímax de um processo iniciado com Evol [1986] e Sister [1987], e a questão existencial de um ponto de vista musical impunha à banda de Nova Iorque ou conseguir olimpicamente ultrapassar o patamar alcançado com o anterior registo em moldes similares, ou modificar a sua sonoridade e estruturas de canções, caminhando num sentido distinto com novas roupagens.Goo era o primeiro registo a ser lançado por uma multinacional depois de um percurso trilhado por etiquetas independentes, a última das quais a mítica SST de Greg Ginn, guitarrista dos Black Flag. Essa major era nada mais, nada menos a Geffen, casa de bandas que nada tinham a ver com os Sonic Youth e com o universo do punk indie, entre as quais os Guns´n´Roses e Whitsnake, ou ainda artistas mais distantes como Donna Summer. Este era o segundo desafio. Desafio esse que se ramificava entre manter a credibilidade da banda junto da sua audiência, digamos, tradicional e manter uma independência das tentações mainstream. As grandes massas de ouvintes estavam agora ao alcance da banda de Thurston Moore, Kim Gordon, Lee Ranaldo e Steve Shelley como nunca tinham estado antes. Como manter o equilíbrio? Goo foi a resposta.
Lançado a Junho de 1990, Goo lançava-se num cinismo arty balançante entre as doses pesadas de dissonância muito características dos Sonic Youth e uma vaga avassaladora de riffs pop orelhudos que alimentam estruturas mais enquadradas no conceito tradicional de canção. Eram uns Sonic Youth como nunca antes ouvidos. Bem distante da bizarria sónica experimental e esmigalhante de Confusion is Sex e de aproximações mais ecléticas em Sister ou Evol, Goo trazia consigo um jorro de canções mais catchy e radio-friendly, sem que com isso deixasse de parte a marca tradicional do universo previamente estruturado pela banda, apenas em menor dose e de um modo mais subtil ou menos carregado.
Resposta aos desafios lançados, temas como Dirty Boots, Mote ou Kool Thing (com a participação de Chuck D dos Public Enemy), desfizeram qualquer dúvida quanto à capacidade da banda se reinventar sem que com isso tivesse de alterar os ingredientes da sua sonicidade, bem como destruiram qualquer possibilidade de existir qualquer comparação possível com o passado criativo mais próximo dos Sonic Youth. Cada canção vale por si mesma, um abanão individual que manteve os fieis e cativou novos crentes, mantendo paralemanete afastados os espectros de uma demanda demasiado pop. São sem dúvida a coisa mais pop lançada pelos autores deTeen Age Riot, mas de uma coloração que não se desfaz no adocicado enjoante. Pelo contrário, expoentes da arte de fazer canções mais sintéticas e acessíveis com a dose exacta do seu cinismo punk abalante e inimitável.
Goo pode não ser o melhor lançamento dos Sonic Youth, mas é sem dúvida um dos álbuns incontornáveis, tanto da carreira da banda como dos anos 90. Se não é ele próprio o início duma vaga alucinante que varreria de entusiasmo toda uma legião de ouvintes. Com Goo foi testada a credibilidade dos nova-iorquinos pelo salto que deram para a Geffen e a reposta não podia ter sido a melhor. Por isto tudo, Goomerece um tributo e respeito enorme.
[Nota: Em 2005 é lançada a reedição contendo como bónus as assediadas demos das sessões de Goo. O aspecto mais interessante da reedição é a participação de músicos exteriores aos Sonic Youth, como J Mascis dos Dinosaur Jr. Para quem quiser saber um pouco da história das canções de Goo, é aconselhada a audição da última faixa, um sample das músicas de Goo narradas por Thurston Moore e Kim Gordon.]