Enquanto em Inglaterra uns tais de Sex Pistols arrasavam com a rigidez moralista da sociedade britânica através do punk duro de guitarras ruidosas e vocalizações corrosivas, nos Estados Unidos uns tais de Devo pegavam num punk mecânico de ritmos aparvalhados e saltitantes, sustentado em sintetizadores (para além da santíssima trindade do baixo, guitarra e bateria), para cumprir semelhante tarefa: a de desnudar a verdadeira América, construída sob alicerces de paranóia, esquizofrenia e consumo.Esta é base teórica de Q: Are We Not Men? A: We Are Devo!. O próprio nome da banda, Devo, é uma alegoria das estruturas sociais norte-americanas, um ataque à consciência colectiva programada e mecânica dos cidadãos yankees. Devo é a subversão do conceito de evolução. É a de-evolution. A desumanização pelo comportamento robótico das massas alienadas pelo artifício do bom e do belo que é o desejo absurdo pelo objecto.
Space Junk, uma análise surrealista do consumismo moderno, e Too Much Paranoias, um aforismo da paranóia tecnológica, são magníficos specimens dessa de-evolution, que se destapa ainda mais em Praying Hands, uma canção sobre a obsessão patética por sexo, ou em Jocko Homo, um sarcasmo da evolução. Mas a canção mais emblemática, quer pelo seu baixo pulsante (a lembrar Nirvana) e melodia angular, quer pela sua vertente lírica, é sem dúvida Mongoloid. A música é a explosão de todo o complexo cerebral Devo, uma desconstrução pop de incrível criatividade, pulsante a cada centésimo de segundo: «mongoloid he was a mongoloid happier than you and me, mongoloid he was a mongoloid and it determined what he could see, mongoloid he was a mongoloid one chromosome too many, mongoloid he was a mongoloid and it determined what he could see, and he wore a hat and he had a job…». Não admira pois que diversas bandas tenham feito versões de Mongoloid, de entre as quais fazem parte os Sepultura.
A banda de Akron (Estado de Ohio) liderada por Mark Mothersbaugh nunca chegou a um sucesso considerável nas tabelas de venda, nem mesmo com Q: Are We Not Men? A: We Are Devo!, o álbum mais inspirado de toda a sua carreira. O melhor que conseguiram foi um médio airplay na MTV com Whip It de Freedom of Choice [1980], isto apesar dos esforços de Iggy Pop e David Bowie, dois fãs da banda, que lhes conseguiram inclusive um contrato discográfico com a Warner em meados dos anos oitenta. Mas para os Devo uma exposição mainstream não trouxe mudanças significativas. Manteve-se a ética punk, a independência musical liberta de modas em simbiose com a sátira acutilante dos costumes sociais. Talvez seja essa a razão porque a indústria musical nunca os tenha abraçado fortemente, e talvez por isso, também, tenham caído no esquecimento da história.
À semelhança dos Wipers, os Devo fazem parte desse panteão subterrâneo de bandas excepcionais ignoradas. Ao mesmo tempo Q: Are We Not Men? A: We Are Devo! é um dos melhores álbuns de sempre apesar de não fazer parte dessas ridículas listas de álbuns elaboradas pela mais fina-flor da crítica musical. Estranho não é, então, ver bandas como os Soundgarden, Nirvana e Sepultura fazerem covers de músicas do grupo. A sonoridade mecânico-robótica aplicada na técnica de-evolution é um dos grandes feitos do rock e dos Devo, sempre fresca e excitante a cada audição.