Este álbum não pertence a nenhuma colectânea de anime/manga, garanto. É, isso sim, uma prova documental com elevado índice histórico. De quê? Eu explico: da chegada dos álbuns de Black SabbathSaint Vitus e Sleep a terras nipónicas. Anos depois, é este o resultado… Um grupo de japoneses fascinados com o doom – não posso dizer stoner, pois isso seria ofendê-los, segundo o que consta do encarte doMaster of Brutality – e pronto a praticá-lo no mais belo altar de todos: o Roadburn.

Os três malfeitores do país do sol nascente (e o naturalizado Tom Sutton), mais concretamente da capital Tóquio, decidiram ir até Tilburgo e dar uma das melhores performances da edição de 2009 do festival. E a concorrência não era fácil de superar: NeurosisOMCathedral, os próprios Saint Vitus, os compatriotas Mono… Enfim, aquela que muitos consideram ser a melhor versão de sempre do mítico certame holandês. Sem temor, apenas com o maior dom da vida – a atitude -,YoshiakkiSuttonTatsu e Jinji abençoaram os presentes com a cruz invertida de Tony Iommi e esbofetearam as almas com o mais vil doom desde os tempos em queJus Oborn se lembrou de vestir o colete de ganga.

 A entrada assassina em palco com El Padrino (ao melhor estilo de um qualquer psicopata que Church of Misery louva em The Second Coming), faz quase acreditar que estamos perante lendas musicais, vindas de um qualquer bairro pérfido do Reino Unido. Mentira. Eles são mesmo do Japão, onde alguns cidadãos dormem cima das suas motos nas filas de trânsito, a fim de se recomporem para o próximo dia de trabalho. Mas lá que caminham para lendas… Lá isso caminham. E o público faz questão de o sublinhar, mal a bateria sossega para dar licença a um solo tão “bluesy” que arrepia.

A qualidade sonora faz cintilar o canal auditivo de qualquer um. Está no ponto. Mixagem bem feita, que permite ouvir qualquer instrumento distintamente, tal como a voz de Yoshiakki, agressiva e estimulante, assumindo um tom não tão depressivo. Yoshiakki poderá mesmo classificar-se como um hardcoreano dentro do doom. Demente, tão ou mais quanto Ted Bundy, assassino “homenageado” em I, Motherfucker, a segunda bujarda do setlist.

Mas a faixa dedicada a Andrei Chikatilo, o senil e mórbido serial-killer dos anos 80 na URSS, é o píncaro desta prestação. Que tal uma Mountain of Mars de Electric Wizard, espalhada sobre uma Planet Caravan, que termina com uma aceleração ungida por uma qualquer erva medicinal? Red Ripper Blues proporciona-nos dez minutos de uma vertigem saborosa, afagada pelo excelente baixo de Tatsu Mikami… Talento, em suma.

Candy Man, Yes I am… Diz Yoshiakki já o concerto vai longo. Até pode soar a uma paródia a Am I Evil? dos Diamond Head, mas é mais um pedaço de humor negro, desta vez direccionado a Dean Corll, o famigerado assassino que apavorou Houston, na década de 70. Todos estes demónios, referidos durante a actuação, são agora vítimas às mãos dos instrumentos de caça furtiva dos nipónicos. Os seus espíritos servem para tornar a noite mais taciturna, pois a plateia assim o exige. Estamos no Roadburn, pois então!

Este vilipêndio de sentimentos termina com For Madman Only… Faixa que Church of Misery gravou para um split com Sourvein, em 2006. E se ela tem originalmente perto de seis minutos, ficou com praticamente onze, neste fecho maciço e bem mais destrutivo do que qualquer arma que Saddam Hussein pudesse (não) ter. O ritmo acelerado é estendido, de forma a servir de plataforma para um jam psicadélico e que soa a interminável… Um fecho clássico para um concerto que figurará para sempre nas páginas douradas do Roadburn.