The Greatest tem o condão de mostrar como Chan Marshall, ou melhor, Cat Power evolui a cada álbum que lança. Três anos depois de You Are Free, traz uma sonoridade reinventada, mérito de regressar a Memphis, Tennesse, onde já tinha gravado What Would The Community Think há quase dez anos. O objectivo segundo a própria cantora «é fazer uma homenagem à soul pop que ouvia durante a sua adolescência». Para tal efeito trabalhou com grandes lendas vivas da soul de Memphis, tais como Mabon ‘Teenie’ HodgesLeroy ‘Flick’ Hodges and Dave Smith, que efectivamente cravaram a sua marca, forjando um registo de enorme qualidade e requinte.Comparativamente a You Are Free (2003), The Greatest é um álbum muito mais acessível por se colocar num magnetismo que gira à volta da tradiçãosinger/songwriter. A canção de abertura, que dá o nome ao álbum, é um indício desse passo. Canção que transpira o ‘primitivismo Cat Poweriano’, lembrando muito o seu início de carreira em Dear Sir de 1995, mas que se afasta ao mesmo tempo da angústia discorrida do seu rock de cariz confecional (diário cravado intersticialmente com canções), manobra retórica, aliás, sempre colada com cuspo à obra editorial da compositora.

A grande novidade em The Greatest é a introdução, ou melhor, recuperação da soul negra ensopada na tradição sulista de Memphis (parece que isto anda a virar em moda, ouçam o albúm dos The GossipStanding In The Way Of Control) e que sem dúvida se torna no condimento mais saboroso dos pratos cozinhados. Living Proof eCould We são óptimos petiscos dessa ementa, eficazes em satisfazer apetites exigentes e fidalgos (no bom sentido, se fidalgo tiver esse lado, já nem sei), derretendo as sombras do passado estereotipado de Cat Power, sempre associado a uma fragilidade uivante e desesperada. A ‘gata’ transfigura-se numa personagem de garras afiadas, pose confiante, cabeça erguida, desafiadora, sexy… Verdade seja dita, no entanto, que algo semelhante já se definia no seu reportório desde What Would The Community Think´s (1996) (yeap, esse mesmo álbum citado pelos Radiohead com insistência) audível em faixas como They Tell Me ou Taking People.

Se a pretensão de Charlyn Marie Marshall, seu nome de nascença, é alargar a sua música a uma audiência mais alargada e mais variada, The Greatest é a iguaria perfeita para ‘agradar a gregos e troianos’ pela sua consistência formidável e apresentação dinâmica. Está longe de ser um campeão de vendas, apesar de ser The Greatest, mas tem aquele cheirinho formidável que facilmente se persegue com as narinas a latejar enervadamente. São preciosos os arranjos em canções como Lived Bars ou Empty Shell, engenhosamente interligados com a voz pujante de Cat Power. Por outro lado, também existem momentos despojados de qualquer produção elaborada e que valem somente pela sua criatividade: Where Is My Love é um desses casos com apenas piano e voz, o suficiente para conceber algo mágico.

Não me parece que se perseguisse o objectivo anteriormente delineado, será simplesmente um desejo de Marshall em percorrer tais trilhos, ou esperteza de não cair no erro de repetir coisas já feitas em trabalhos anteriores e que lhes retirariam a sua singularidade e, logo, o seu carácter místico. The Greatest é um paladar estranho, sem dúvida, para fãs de longa data habituados a outros sabores mais imediatos e é, simultaneamente, para quem desconhece a existência da ‘menina’ uma boa surpresa de fácil assimilação.