Seria impossível contar a história do movimento hip hop nacional sem uma menção honrosa a Dealema, nome que perdura já há mais de dezasseis anos nos ouvidos e espírito dos seus seguidores fies e convictos – sentimentos que se reflectem nas letras e atitude que o colectivo assumiu desde o início. Estávamos em 1996 quando cinco rapazes de terras ‘invictas’ tomaram o controlo doExpresso do Submundo, trazendo-o para o exterior: os MCsMundo, Maze, Ex-Peão e Fuse, acompanhados por DJ Guze.

Apesar de sete anos sem lançamentos em nome próprio, o grupo impôs-se como um dos projectos mais importantes do movimento rap nacional, ladeados por uma legião de fãs incorruptíveis, que refreou a espera entre a colaboração na mix-tape Ressurreição(2000) de DJ Cruzfader e o lançamento de um registo a solo do rapper FuseIntrodução ao Núcleo, em 2001. Com o lançamento do álbum homónimo, ou também intitulado O Regresso do Expresso, em 2003 (ano que também abraçou o novo registo a solo de Fuse, Sintoniza), os Dealema atingiram o estatuto de grupo de culto dentro do movimento rap nacional.

A admiração explica-se no estilo único deste nortenhos, marcado por sonoridades maioritariamente agressivas e letras conscientes socialmente – virais contra os usurpadores dos valores que defendem, e sentimentais e fraternas para com as vítimas silenciosas da sociedade. É com a primeira premissa que arranca este Regresso do Expresso: Ultimato principia vigorosamente o disco com um instrumental de concepção sofisticada bem ao estilo de Mundo, sem perder a potência exigida pelo tema, e com um refrão enérgico revestido de palavras de ordem, numa letra em que os quatro rappers cospem farpas direccionadas às demonstrações de mediocridade veiculadas pela política, media e indústria musical.Tributo surge como representação da antítese caracterizadora do estilo Dealemático, onde a letra é sentimental e íntima. Um memorial à amizade e à união, dedicado aos seus entes mais próximos.

O disco decorre equilibrado em intensidade de temas e beats – equilíbrio é certamente um bom adjectivo para definir o rap deDealema. Assim, surgem as duas primeiras grandes malhas desteRegresso do Expresso. A Chave da Saída, com uma das letras mais sentidas do álbum, inicia a parelha, dirigida às pessoas presas na teia do conformismo e desespero. Em tom filosófico, mas sobretudo de consciencialização, os três rappers (sem Fuse), ilustram um beat de cadência perfeita e melódica, que conta com produção de Sam The Kid. Segue-se Infiéis, som é de categoria clássica, onde o beat é poderoso, de percussão rápida e com um baixo densamente cadenciado, acompanhado pelos flows velozes e sóbrios de Mundo, MazeEx-Peão e uma prestação desconcertante de Fuse. O mesmo pode ser referido em relação aRota de Coalizão, e, continuando com Fuse, vem B.D.A.P (Brigada Digital Anti Plágio), malha que conta também com a produção deSam The Kid, mas desta feita num registo agressivo em que só Fuse dá voz, através do seu estilo peculiar de rimas e flow, num egotripping hostil e visceral. A Cena Toda é um hino a Dealema e a quem deles gosta, obrigatória em concertos – sempre com os coros afinados e fervorosos do público. Um abraço em forma de poesia, com gratidão, perseverança e respeito.

No meio de sons quase todos hinos indiscutíveis e eternos desde 2003, surge uma crítica corrosiva, em tom coerente e inconformado, ao sistema educativo pela falta de escolhas e imposição de matérias obsoletas – Anatomia de Espírito introduz às duas últimas paragens deste Regresso do Expresso. O final, então, surge invariavelmente em formato de clássico: Talento Clandestino abre o caminho (ela que foi o primeiro e único single do disco, dando igualmente origem ao primeiro videoclip da carreira dos portuenses) para que Fado Vadio encerre o álbum com contornos épicos. O beat é rápido, simples e solene, adjectivo último que adquire total plenitude com adição de uma letra sobretudo introspectiva, com um discurso impregnado de literatura, humanismo e poesia.