Cai a noite. Sossegada na sua quietude, de pálpebras semicerradas, ela está sempre pronta a abraçar qualquer vulto que vagueie pelos seus corredores. Oferece um abraço gélido, embrulhado numa brisa, e dela apenas obtemos o som dos nossos próprios passos. Nesta câmara anecóica instalada na psique, para além do nosso caminhar, conseguimos ouvir uma taciturna melodia… É a magnum opus de Bohren & Der Club of Gore: Black Earth (2002).Formados em 1992, na Vestfália, os Bohren assumiram o papel, ao longo dos anos, de maior banda dentro do género darkjazz. A mudança de membros em 1997, com a saída de um guitarrista (Reiner Henseleit) e a entrada de um saxofonista (Christoph Clöser), acabou por alterar substancialmente a sonoridade que o grupo apresentava no início da carreira. O ritmo lento e marcadamente sombrio manteve-se, mas já sem o toque psicadélico da guitarra eléctrica, tão característico do álbum de estreiaGore Motel (1994). O saxofone trouxe consigo um guarda-roupa ainda mais negro, que os restantes membros da banda prontamente envergaram.
O resultado pode ser encontrado, no seu estado mais bem conseguido, em Black Earth– segundo álbum gravado com Christoph Clöser, depois de Sunset Mission (2000). E se este último teve como missão a captação de toda a luz solar, Black Earth actua já no breu, sem precisar de qualquer auxílio orientador. É no escuro que a sonoridade dos germânicos melhor se propaga. Midninght Black Earth indica isso mesmo. De um piano suave na sua musicalidade, mas incrivelmente profundo na sua intenção, a um saxofone que poderia figurar numa metragem de David Lynch, a faixa introdutória despe-nos da nossa queratina quotidiana e oferece-nos o tal vestuário negro.
Para quê? Simples. A etiqueta da cerimónia assim o exige. Não é costume ir-se a um funeral trajado com todas as cores possíveis, certo? Pois, também não se deve fazê-lo quando se escuta Bohren & Der Club of Gore. Não se trata de uma liturgia fúnebre convencional: não há orador, não há finado. Há somente um quarteto que consegue criar na nossa câmara mental os cenários mais negros, inquietantes e lúgubres.
Não acreditam? Experimentem, numa noite chuvosa, apagar todas as luzes do sítio onde se encontram. De seguida, coloquem a faixa Maximum Black (o título é self-explanatory) e tentem ficar indiferentes ao curto cântico gregoriano que se vai repetindo… Ou, então, façam o mesmo com a música Grave Wisdom, uma marcha fúnebre capaz de arrepiar até um Josef Mengele. E, já agora, tentem aguentar firmemente o impacto do contrabaixo de Vigilante Crusade. Difícil? Não? Então deixem o álbum fluir até ao seu ocaso, onde vos espera The Art of Coffins. Durante 12 minutos (parecerão bem mais) serão enclausurados numa atmosfera perigosamente densa e asfixiante, criada por um jazz noctívago e predador, onde um sino marcará, a compasso arrastado, o tempo até ao fecho do caixão onde estão colocados.
Bem-vindos ao mundo de Bohren & Der Club of Gore, onde as sombras são consumidas pela opacidade.