Esqueçamos o sushi e deixemos o sashimi para mais tarde – a digestão protege-se, até porque falar de assassinatos à mesa de jantar não cai lá muito bem. Os Church of Misery, irrevogáveis experts da criminologia, preferem dissecar esses assuntos sob riffs roubadíssimos aos Sabbath (eles admitem-no) e não misturar entranhas humanas com bolinhos de arroz. Ao quinto álbum, os nipónicos (pronto, está explicada a introdução com os pratos cliché do Japão) cedem-nos nova compilação de homicídios, capaz de obrigar Horatio Caine a utilizar dois pares de óculos.
B.T.K. é a melhor malha de abertura que os Church of Misery já escreveram: dois minutos de psicadelia, que resgatariam o aplauso dos compatriotas Acid Mothers Temple, encalçados por um riff candidato a entrar no «The Biggest Looser», tal o peso. O homenageado? Dennis Rader, serial killer norte-americano, condenado ao perpétuo encarceramento por ter roubado a vida dez pessoas. Estes japoneses são como aquele típico avozinho das histórias, mas numa versão macabro-humorística: chegam, ligam os amplificadores e falam-nos, óbvia ou subliminarmente, de gente cujo curriculum vitae está manchado a sangue alheio. Esta é a parte macabra; a humorística constrói-se na narrativa: os Church of Misery são de uma descarada boa onda e estão longe, bem longe, de quererem soar os malvadões do bairro ou os supra-tatuados da Yakuza.
A sua “coolness” transpira nas escalas blues de uma guitarra que passa a vida a surripiar o Iommi – Brother Bishop, dedicada ao falecido psicopata Gary Heidnik, é tão óbvia nesse intento que nos desarma qualquer vontade de implicar, até quando vemos as joias de Into The Void ao seu pescoço. Sobra-nos o sorriso da indulgência, exactamente o mesmo que se prolonga em Cranley Gardens, onde os pormenores de como o britânico Dennis Andrew Nilsen cortava as suas vítimas lavatório abaixo nos são relatados (tema também já abordado pelos Swans em Killing For Company). Uma condescendência que é igualmente decretada pelos sucessivos jams: o baixo dá palmadinhas nas costas a Geezer Butler e todo o quarteto se oferece para mastigar cogulemos que fazem rir, durante a interminável Dusseldorf Monster – faixa que, qual descarregada de concertinas à portuguesa, se entrega a treze minutos de solos, contra-solos e… Mais solos.
Dos 70s só não é a voz de Hideki Fukasawa: berrada, mas sem paciência para “guturalismos”, decerto não caberia em qualquer jornada espacial made-in Woodstock. Mas em Thy Kingdom Scumteria de haver alguém tão irascível quanto os Ted Bundies do terceiro burgo a contar do sol, certo?