Da surpresa à saturação o trilho é curto. A enxurrada de projectos cujas criações burilam entre o groove dos Entombed, a maledicência dos Celtic Frost e a fétida simbiose metalcore dos Integrity chegou ao ponto em que a novidade se extinguiu. O tempo, sempre ele, encarregar-se-á de separar o trigo do joio. Seja qual for a colheita e a mão que a recolha, os Children of God terão lugar no boião dos grandes.
Inevitável, desde logo pelo seu singular genoma. Ao “dark hardcore deathwishiano”, respondem com uma codificação diferente: aWolverine Blues contra-argumentam com Souls At Zero deNeurosis; Monuments To Thieves, obra impreterível dos His Hero Is Gone, impugna To Mega Therion. A pasmosa execução com que justapõem as vertigens crust ao rendilhado atmosférico post-metal espanta pela convicção e destreza – Awaken vocifera quatro minutos de apocalipse tribal, culminando com uma percussão que, de tão neurótica, nos atira para o clarão final de Through Silver In Blood. De rompante, Unreleting Storm abre com uma guitarra a sangrar To Crawl Under One’s Skin, desaguando nos pessimistas horizontes mais típicos de Time To Burn do que de uma banda que se declara hardcore.
A meia-hora de We Set Fire To The Sky não teme, sequer, recuperar o blast beat – na epiderme de Offer, borbulham chagas similares às de Ash Borer e a toda essa trupe que apelidamos de “cascadian black metal”, reduzidas à menor potência. Os Children of God, inteligentes, nunca se deixam embriagar pelo seu talento e só um tema ultrapassa os seis minutos de duração. É precisamente ele, Where Do They Go?, que extermina qualquer incerteza sobre este ser um dos enormes álbuns de 2013: veementíssimo relâmpago crust, amparado, no início e no fim, por duas extremidades post-tudo-e-mais-alguma-coisa.
De olhos vendados, e biografia desconhecida, poderíamos tranquilamente cogitar que os Children of God pertencem àChurch of Ra, tal a agilidade com que unem dois dissonantes polos. To The Sky, dividida num par de actos, traz-nos à memória o registo limpo de Colin H. van Eeckhout, repercutida num vocalista que varia também entre o sussurro e um rasgo que, curiosamente, tem muito de semelhante ao frontman dos nossos Shape.
Mas não, não são belgas. De Orange County, Estados Unidos, o quarteto respira por uma traqueia que é, sendo só sua, não renega o perpétuo ar de Steve Von Till e Scott Kelly.