Filho da Mãe é capaz de ser desconhecido. Mas o guitarrista e membro de If Lucy Fell, I Had Plans ou Asneira, Rui Carvalho, já não será tão desconhecido – Rui Carvalho é Filho da Mãe. Vivendo da guitarra clássica, artilhada esta para explodir em ritmos próximos dos clássicos da viola erudita, com piscadelas a um estilo mais português, como o de Carlos Paredes, Filho da Mãe padece da simultaneidade de ser filho e mãe ao mesmo tempo. Não havendo essa destrinça, e à falta de pai, perde-se muito numa repetibilidade, que dá a sensação de, se ligada a guitarra a um amplificador, facilmente se transformar o conjunto das notas em algo próximo das sonoridades math-rock.
Talvez o palco da ZDB não seja o melhor para um género peculiar como este; talvez fosse do mau tempo, que mesmo com um Sobretudo (uma das músicas tocadas) não deixou de incomodar, e as palavras proferidas deixaram-no claro; talvez fosse por estar um pouco distante do chamariz da noite, os Cave – o certo é que foi uma prestação aqui e ali com uns momentos inseguros, acabando mesmo algo abruptamente. Fica a dúvida de onde estará afinal o transformador.
Os Cave vinham como se tivessem saído da gruta e se quisessem deslocar até a uma bela praia. Azar o deles, um sítio bom para protecção segura de tamanha tempestade que se abate sobre Lisboa, é mesmo uma gruta.
Conjugando a vontade e absorvendo a necessidade, a banda de Chicago composta por Rotten Milk (teclista e vocalista), Cooper Crain (guitarrista e teclista), Dan Browning (baixista) e Rex McMurry (baterista), e perante uma ZDB a meio gás, mas bem povoada, em termos de público, passeou o seu rock psicadélico meio drone que, com os seus teclados característicos da época dos 60, na cartilha de The Doors, espalhou o cheiro da Califórnia, uma inevitável Califórnia onde as sombras de uma beat-generation ainda cruzam os sítios esconsos iluminados.
Com uma fogueira que aquece até às entranhas almas intoxicadas com alucinogénicos, ondas a bater em forma simetricamente alinhadas numa areia mais fina que as células da epiderme humana, conversas sobre o absurdo do quotidiano e a estranheza da vida e dos sentimentos humanos – cenário obviamente imaginário – os Cave transportam-nos para um tempo passado, embora com as devidas actualizações, num combinado entre algumas formas mais alternativas do rock, seja o stoner, seja o drone mais na vertente de uns Boris.
Em alinhamento atravessado na maioria pelas texturas do primeiro disco da banda,Hunt Like Devil/Jamz (2008), esperava-se talvez um maior envolvimento de Psychic Psummer de 2009, responsável porventura pela mudança da banda da Important Records para a Drag City Records, e pela chamada dos Cave a muitos importantes Festivais. E não fosse este detalhe essencial, e apesar dos cerca de 50 intensos minutos de acentuado martelamento vibrante sonoro, teria sido uma noite em que talvez não se chegasse a casa ainda a pensar tanto no raio da chuva que não parava de cair, e na roupa e corpo molhado por esta.
Mas ficam as danças aleatórias nos momentos de improvisação psicadélica, ficam os sabores agridoce pela agressividade instrumental e leveza das vocalizações, ficam as viagens pelas paisagens diversas que as camadas cruzadas de psicadelismo, rock e drone proporcionam, fica a sensação que ninguém saiu desiludido da sua própria expectativa…fica a ideia de que os Cave devem voltar o mais rápido possível porque sabem dissolver a chuva bem antes que esta atinja o solo com toda a sua intensidade.