Depois de mais de duas décadas de actividade, “The Last Spir”e é o último álbum dos Cathedral. Assim, é inevitável que seja olhado sob o acrescido peso da sua finalidade. A banda, essa, lidou com a ocasião protagonizando um último regresso a territórios mais pesados e escrevendo um dos álbuns mais coesos que algum dia terá assinado. Após a aventura por territórios mais progressivos em “The Guessing Game”, não é de todo inconcebível que esta fosse de facto a melhor forma de encerrar o círculo e colocar fim à carreira. Que o tenham feito com um álbum da qualidade deste é absolutamente notável, tornando a despedida num momento catártico em que somos forçados a trocar qualquer desapontamento pelo fim da banda pela felicidade inerente a uma conclusão perfeita.
Do doom mais arrastado que marcara o inicio da carreira, presente em “In Memorium” e “Forest Of Equilibrium” e ressurgindo mais tarde em “Endtym”e, passando pela infusão de elementos de hard rock e psicadelismo que marcou álbuns como “The Carnival Bizarre”, até ao lado mais progressivo acima mencionado, não se pode acusar os Cathedral de algum dia se terem contentado em reciclar ideias ou se terem tornado previsíveis. No entanto, por mais radicais que algumas mudanças tenham sido, há uma identidade vincada transversal à carreira da banda, com cada fase simplesmente a salientar um ou outro elemento que sempre fez parte do todo. Em “The Last Spire”, todos estes elementos aparecem em doses controladas em vez de se destacarem por si só, contribuindo antes para um produto final que é simplesmente doom. “Pallbearer”, a primeira malha a sério do álbum, é exemplo disso mesmo, martelando-nos primeiro a cabeça durante uns bons cinco minutos para depois ter uma passagem acústica e uma piscadela de olho à fase mais up-tempo da carreira.
Trata-se também do primeiro álbum desde 1994 a não ter Leo Smee no baixo, entretanto substituído por Scott Carlson(Repulsion, ex Death e Genocide), ele que já havia gravado o último EP intitulado “A New Ice Age”. As novidades não se ficam por aqui, já que Christ Reifert dos Autopsy aparece em estilo spoken word no pântano que é “Cathedral Of The Damned”, enquanto Rosalie Cunningham dos Purson empresta a sua subtileza a “Pallbearer”, complementando de forma perfeita a agressividade de Lee Dorrian. Para além das estreias, há aindaDavid Moore como convidado nos teclados, repetindo as participações de “The VIIth Coming” e “The Guessing Game”. No entanto, e como seria de esperar, são mesmo Dorrian e Jennings a assumir os maiores destaques. É impressionante como o antigo vocalista dos Napalm Death continua a soar tão singular hoje como há vinte anos atrás, o mesmo podendo ser dito da qualidade e variedade nos riffs de Gaz Jennings: aquele início da “Tower of Silence” tem tudo para se instalar duradouramente em muitas cabeças.
Como se não bastasse a escrita da qualidade do costume, os dois únicos fundadores restantes assinam também parte da excelente produção do disco, trabalho repartido com Jaime Arellano, sendo que este último é também responsável pela excelente mistura que se faz ouvir (“Teethed Glory And Injury” recebeu o mesmo tratamento com os resultados que se conhecem). Quando chegamos ao fim da lúgubre “Thy Body, Thy Tomb”, fica a estranha sensação de termos acabado de ouvir uma auto-elegia. Para trás fica uma carreira invejável de uma banda que conseguiu aquilo que poucas sequer tentam, colocar sobre si própria a pressão de fazer um “último” álbum, fazendo deste o capítulo de encerramento perfeito para a sua história.