Os Catacombe vivem de algumas características-chave e são, na sua essência, uma banda de rock como mandam as raízes, de guitarras na frente. No entanto, por acaso da era, o rock dos nortenhos é póstumo e chega quando já tudo parece esgotado. A fórmula de Pedro Sobast e companhia acabou por ser a mais inteligente e a mais humilde, mas também a melhor para Kinetic.
Realmente, ao ouvir o álbum de estreia do colectivo de Vale de Cambra não deixamos de perceber com naturalidade onde e porquê que cada momento surge; esta familiaridade é um dos pontos curiosos a jogar a favor de Kinetic, onde, ao longo dos cerca de quarenta minutos, nos vemos a escutar uma guitarra que soa a isto e outra que soa àquilo, ou uma progressão melódica típida daqueles.
Vejamos, a começar logo na segunda faixa (e primeira música, dentro da modalidade que o álbum nos apresenta), Supernova, passado o primeiro momento de intensidade mais pesado, surge-nos uma frase à la Mike Moya, na altura em que este tocava com os Godspeed You! Black Emperor no F# A# (Infinity), que na sua limpeza desenha a melodia de uma pintura bem desolada na sua harmonia, de contornos bem definidos por teclados, baixo e guitarra; na sua progressão natural, e na mesma melodia, já parece que ouvimos um grito guitarresco mais típico de Taka, dos Mono, carregado de reverb. Já em Anna-Liisa, um início de guitarra mais metal, mesmo como uns Pelican fariam, antevem uma explosão de post-rock bem pesado, enquanto que, mais no fim, os teclados de ambiências mais Neurosis se cruzam com uma abordagem da harmonia e um desenvolvimento melódico em muito típicos de uns Isis, emCavalgada Épica.
De resto, a mesma Cavalgada Épica que, de início, se propõe a ir buscar mais raízes, apresentando uma melodia tão típica do doom e, de seguida, reconstruíndo-a num swing. Sempre com a mesma naturalidade no jogo de influências. E, claro, a fazer um trabalho minucioso e picuínhas, naturalmente que me seria possível inventar alguns desvios menos óbvios, mas desvirtuaria o propósito deste texto, visto que não é só dos outros que se faz a música dos Catacombe.
Bem pelo contrário, o que joga muito a favor de Kinetic como longa-duração é, antes, um quasi-retrocesso às dinâmicas antigas da música popular. Ou, antes, de uma perspectiva revista da narrativa na música instrumental: reconhencendo que uma composição, à semelhança de um livro, tem uma linha orientadora que nos capta a atenção, os Catacombe preferiram um Saramago a um Dan Brown; reformulando, em vez de recorrerem ao típico crescimento enfadonho da narrativa, sufocando os ouvidos e paciências, Pedro Sobast e companhia enriqueceram as suas composições com uma riqueza a nível de dinâmicas surpreendente, permitindo o fluir das músicas na relação que estabelecem entre os ambientes metal e os mais típicos do pós-rock.
Os Catacombe podem não ter salvo o rock, nem tampouco o post-rock. Mas, na verdade, deram-lhe mais um fôlego e até mostraram que mais por cá do que lá fora, o género ainda goza de uma saúde invejável. O colectivo sabe o que anda a ouvir e, melhor, muito melhor, sabe o que há-de tocar.
É enquanto o Kinetic goza da juventude do seu género que este deve ser ouvido, enquanto as recordações das suas bandas de culto, ainda frescas, nos provam o bom melting-pot que haviam de dar. Perdão, que deram: os Catacombe.