Já muitos sentenciaram a morte do post-rock, mas o que é certo é que este vai sobrevivendo e surgindo em novas vagas, revitalizando-se com novos argumentos. Como é de esperar, não acontece assim com todas as bandas, limitando-se muitas delas a deixar-se levar por estas “vagas” que vão surgindo, sem que tragam para o género mais do que as gastas e “velhas” fórmulas do estilo. Mas para ser honesto, a originalidade nem sempre é uma condição essencial para quem gosta de música e, especificamente, deste género. O concerto de estreia em Lisboa dos norte-americanos Caspian, com o suporte dos portugueses Katabatic, confirma em certa medida este apontamento inicial.
Sublinhe-se, em primeiro lugar, a casa bem composta que recebeu as bandas, um dia depois da actuação de ambas em Braga e praticamente um ano depois da estreia dos músicos de Boston em solo nacional, no Porto. Sem estar propriamente lotada, era significativo o número de almas presentes na sala, especialmente para uma noite de semana bastante chuvosa, o que é sempre uma motivação extra, especialmente para quem, como a Ritual Som, trabalha apenas por prazer para que estes eventos aconteçam.
Falemos, então, dos concertos e das duas bandas presentes. Os Katabatic já têm mais do que créditos firmados no meio e o seu valor é relativamente consensual, de que é prova este pequena tour Ibérica, como banda suporte de Caspian, e da qual este concerto fazia parte. No entanto, sem pôr em causa a sua grande competência e mesmo qualidade, os Katabatic são das bandas que hesitam em trazer novos argumentos para o género musical com que são mais facilmente identificados. Este concerto provou-o, mais uma vez. Provou a sua grande competência enquanto banda de post-rock, com boas músicas dentro do que conhecemos, mas provou igualmente que é precisamente um excesso de competência que torna o seu som muitas vezes cansativo. Quero com isto dizer que a banda não ousa ir mais além, recorrendo às fórmulas usuais do estilo. A consequência é que momentos absolutamente fantásticos das suas músicas se perdem no ambiente dos típicos clichés que caracterizam o género. Ficamos com a sensação que já ouvimos aquilo em qualquer lado e essa sensação cresce na segunda música, na terceira e por aí fora. Quando chegamos ao fim, estamos um pouco exaustos. Há um excesso de delays e a tentação para pôr vozes angelicais em partes que perdem muita da sua beleza precisamente por esse adorno; e até a tarola tem um reverb desnecessário. Contudo, a música ganha outra dimensão quando sobem o peso, com alguma distorção nas guitarras e palm mutes nos acordes. Além disso, a banda tem uma excelente presença, especialmente o baixista, e a prova de que agradam e convencem é que o público presente não podia ter ficado mais satisfeito. Durante o concerto, em qualquer lugar da sala, a atenção estava toda dirigida para o palco, com os corpos em movimento e cabeças a abanar, e no final o aplauso foi grande.
Já a actuação de Caspian não podia ter corrido melhor e, pelos comentários, surpreendeu mesmo alguns dos presentes – eu, confesso, fui um dos surpreendidos. A banda tem outro impacto ao vivo e aquilo que no CD também parece ser mais uma reciclagem das fórmulas do género assume uma densidade altamente envolvente. São três guitarristas, um baixista e um baterista que bate na bateria com uma violência tal que, se por momentos pudéssemos cortar o som, poderíamos julgar que estava a tocar hardcore. Mas a força que dá à música e o ambiente que todos os músicos criam não deixa dúvidas. Ao vivo, as músicas de Caspian têm uma profundidade e solidez elevada, sem que nunca percam a harmonia ou sem que se tornem cacofónicas, e a alternância entre as partes limpas e as partes mais pesadas é muito boa. Apesar do nível altíssimo do volume com que tocam, a música que brota das colunas possui uma limpidez que não deixa perder um pormenor das suas criações, o que, ao mesmo tempo que contribui para intensificar a dimensão onírica das suas músicas, deixa-nos ficar com a sensação de que somos atropelados por um comboio.
Mesmo não tendo praticamente nada de original musicalmente, a força das suas músicas ao vivo deixou a dúvida sobre se aquela sala não será demasiado pequena para o ambiente que criam e para o seu som cheio. Antes de abandonar o palco para o encore, a banda tocou a espectacular Ghosts of the Garden City, umas das músicas do novo álbum Tertia, para regressar com outro tema com um início mais calmo e um final grandioso, com todos os músicos a aderir à moda mais recente dos espectáculos ao vivo: todos a tocar na bateria em simultâneo.