Foram duas noites de saudosismo, mais do que recuperação, do formato bipolar do Bracara Extreme Fest. As edições passadas do festival apresentavam-se com dois palcos, a pender para dois extremos. Desta feita, houve os dois palcos, num aproveitamento perfeito do espaço recém-inaugurado em Braga, a TOCA, um antigo cinema. As polaridades seriam, contudo, mais óbvias de dia para dia. Se a 4 de Outubro o festival recebeu o peso do blast beat e os ambientes mais negros, com os irlandeses Altar of Plagues à cabeça, o segundo dia já se votava mais para o riffing mais djent, salvas as devidas e respectivas excepções.

A abrir, e a garantir o arrasto do festival, estiveram os CUT — cuja aproximação aos norte-americanos Eagle Twin me parece evidente —, que dividiram os esforços com os Mother Abyss. Se nos primeiros, as condições não ajudaram a puxar o travo a concerto, com uma exibição essencialmente de frequências graves que acabou por não arrancar feedback do público (arrancaram algum das colunas, ainda assim), os segundos já perfumaram os palatos incautos com um post-metal mais rico.

A javardice geral seria assegurada pela thrashalhada dos americanos Speedwolf, já no cinema, que conseguiram o primeiro esboço de movimento entre o público. A continuação da descarga enérgica ficou-se nos blast beats incessantes porcamente agrindalhados dos Machetazo e Nashgul, cujos concertos precederam o cabeça de cartaz, e dos Dementia 13 a fechar.

Seria, por isso, na figura dos gloriosamente moribundos Altar of Plagues, que a noite encontraria o seu pico. Os irlandeses libertaram-se das amarras criativas com um suicídio gloriosamente assistido por uma vontade criativa que sempre os distinguiu na sua carreira. 2013 é o último ano de actividade da banda, que, sem esse peso em cima, se dedicaram a assinar um dos discos maisgender bender a serem editados nos últimos tempos, e a fazer-lhe jus com actuações memoráveis. A noite de Braga assim foi.

Com um alinhamento irmãmente distribuído pelos três registos de longa-duração, os Altar of Plagues subiram ao palco do cinema do Braga Shopping com um portátil a debitar os samples que criaram o ambiente tão especial de “Teethed Glory and Injury”, tendo a banda percorrido alguns dos marcos mais essenciais do disco, como o são “God Alone”, “Twelve Was Ruin” e “Scald Scar of Water”. A qualidade de composição da banda ficou mais do que evidente com a intensidade das músicas no concerto, mas foi só quando “White Tomb” tomou conta da lenta marcha fúnebre iniciada por James Kelly e companhia que os primeiros arrepios se manifestaram. O equilíbrio entre o eterno êxtase do black metal e um lado melódico de uma sensibilidade especial revelar-se-iam ocoup de grâce de uma actuação que, ainda assim, teve no som baixo das guitarras um inimigo difícil de ultrapassar.

Tudo se perdoa, contudo, quando para o fim nos guardam “Neptune is Dead”, a abordagem metafísica da morte elaborada a propósito de um incrível “Mammal”. São, ainda, vinte dos mais negros minutos da vida de qualquer pessoa e um último fôlego francamente digno.

Com o palm mute como fio condutor da noite final, os destaques recairiam sobre os óbvios cabeças de cartaz, os franceses Uneven Structure e nos bem portugueses Nebulous, que ainda sem demonstrações de excelência conseguiram entusiasmar para o que o futuro nos trará deles. Jogar no campeonato mais progressivo do djent não é pêra doce, mas a qualidade do baterista Marcelo Aires, que consegue complexificar o ritmo e enriquecer as linhas de bateria de forma muito competente, sustenta as composições dos minhotos de forma incontestavelmente sólida.

De resto, enquanto o género se expressou de forma pouco convincente pelas mãos dos WeaksaW e pela verdadeiramente estranha tentativa dos The Algorithm de se firmar como algo consistente (ter um live act de electrónica baseada em modular o mesmo sample de forma incessante com uma guitarra a garantir o peso acabou por apenas resultar quando a música “What Is Love” se fez ouvir). Mesmo o metalcore já viu dias mais positivos, sendo que os espanhóis Against the Wave pouco mais conseguiram do que uma emulação by the book do género, com o toque de electrónica e de canto limpo que anda a pesar num lado mais emo da banda. Salvaram-se, por isso, uns WAKO que, na humildade da sua nacionalidade, arrancaram um belo mosh pit e desferiram uns sólidos golpes cheios de groove na força das suas guitarras.

O palco do cinema seria fechado a chave de ouro com a actuação dos Uneven Structure. Desnivelada em contratempos, não se pode falar, evidentemente, de falta de estrutura na composição dos franceses, com os riffs bem pesados, pensados e trabalhados ao ponto de ruptura entre harmonia e ritmo, o progressivo dos franceses fluía naturalmente e com uma força finalmente digna do género, algo que, apesar dos positivos apontamentos da noite, faltou de forma coerente e consistente. Notou-se que os gauleses conheciam os seus Meshuggah, ao ponto de se poder apostar na possibilidade de já ter havido um pequeno sneak peak à parte do curso de polirritmia dedicada à Swedish Metal Machine. Serviu para matar saudades até a um regresso dos pais do género.

E porque, no fim, pouco importa o que fica, os Vai-te Foder trataram de mandar as tropas para casa, mas nunca sem antes presentearem os resistentes com alguma da porcaria mais clássica do Minho.