Os Japoneses Boris são uma banda de intensa labuta, incansável. São 16 anos de correria (a banda deu os primeiros passos em 1992) através de 18 registos e de muito virtuosismo espásmico no domínio das sonoridades rock, stoner, psicadélico, drone, noise e thrash. Na maior parte deste tempo permaneceram na escuridão do desprezo e do desconhecimento, e só à bem pouco tempo é que começaram a receber a devida atenção e frenesim merecidos, isto graças ao fenomenal registo de 2005, Pink, e à mãozinha daSouthern Records (relançou o álbum nos Estados Unidos em 2007) que têm o olho bem afiado para as boas coisas que crepitam por esse mundo.

Agora, torna-se quase um crime para qualquer simpatizante/fã das sonoridades pesadas dentro do rock não conhecer os Boris, não falar neles, ou ficar indiferente a eles. Tornaram-se uma referência, uma banda com um estatuto poderoso e o culto está um pouco por todo o lado. Pink, que teve um grande impacto, é um dos grandes responsáveis pela situação, de maneira que as espectativas para este registo de 2008 eram/são enormes. Por outro lado, quem conhece alguma coisa da banda, sabe que os Boris tanto deslumbram estonteantemente com as suas composições rock orelhudas, como embarcam na mais alucinante viagem psicadélica que se possa conceber. Existe sempre um mistério do que vai sair – mais formato canção ou mais experimental?; mais noise ou mais trash?

Por mais incrível que pareça Smile são os Boris a experimentar outros caminhos ainda, sem deixar de impor as suas raízes e matrizes típicas. È a espaços uma trip sintonizada nas ondas fuzz, onde o baixo em distorção groove parece por vezes querer dominar o registo em competição com as guitarras, estas sempre em ebulição, como não podia deixar de ser. Neste particular, prestar atenção a Message. Pode-se dizer também que é brutalmente raw, com uma produção a fazer lembrar em muito os saudosos Iggy and The Stooges nos tempos de Raw Power, onde as músicas parecem querer transbordar dos leitores, seja lá que formato forem, a que estão confinados. È uma mistura crua e directa, quase similar ao que escutamos por vezes em gravações de concertos. Um bom exemplo disso é Shoot! ou ainda Dead Destination, ambas das mais poderosas faixas presentes emSmile.

Se não houvesse daquelas coisas que nos deixam confusos num registo de Boris, seria caso para levantar as sobrancelhas em espanto. Mas não vai haver essa oportunidade. Os tiques de experimentalismo que os nipónicos têm entranhados nas suas costuras e que em grande parte passam por ir bucar inspiração fora dos círculos rock , não ficaram na gaveta. You Put Out Your Umbrella é um desses patinhos feios, uma espécie de slow absurdo que por momentos faz lembrar composições típicas para filmes japoneses, mas que depois de algumas audições até se acaba por gostar e dar um desconto. Flower Sun Rain também tem o seu que de parvo e delirante, a par do começo de Next Saturn, que depois entra em catarse rock com solos sobrepostos. Em matéria de preciosismos atente-se também ao final acústico imprevisto em Shoot! depois de rajadas de guitarra (dinamismo já usado noutros tempos por Smashing Pumpkins e Black Rebel Motorcycle Club).

Sorrisos!!! Smile não desilude, é potente, destemido, barulhento, não-americanizado, estranho, épico, cheiroso, sorridente…e vicia, que é o que importa. Tem aquela provocação que o rock tem de ter e ao mesmo tempo um balanço ponderado entre momentos mais agressivos e mais doces. Mas atenção, não é comparável a Pink. É outra etapa, outra viagem por paisagens subtilmente bizarras, resultantes de peculiares junções da harmonia e melodia, com momentos mais épicos e reflexivos em contraste com menos tempos de impulso. Parece aparentemente incongruente, mas têm a batida singular do coração Boris. Recomenda-se, sem ser preciso contratar especialistas como os que aparecem nos anúncios de detergentes.

 E para quem queira ficar doutorado em Smile, que fique avisado do puzzle que vai encontrar, pois há duas versões a circular, uma Japonesa (a mais consistente) e outra americana (mais virada para a tentativa de se colar a Pink). Em ambas existem diferenças significativas, desde o nome das músicas, até a misturas diferentes.