Vamos por partes… Os Bongripper são um quarteto americano, proveniente da ventosa Chicago. Formados há pouco tempo, mais concretamente em 2005, já contam com cinco álbuns de estúdio (incluindo este que vos trago) e um EP – gravado com os Winters in Osaka. A palavra procrastinação certamente não fará parte do vocabulário dos Bongripper, banda que parece também não apreciar por aí além menções filosóficas, prontas a fustigar a escabrosa semântica de cada um de nós. Álbuns como Hippie Killer (2007), Heroin (2007) e Satan Worshipping Doomapresentam títulos directos e sem grande espaço de manobra para interpretações ornamentadas.

O que é bom… Pois os Bongripper são uma banda instrumental. Não havendo espaço para letras, os americanos entregam todas as suas mensagens escritas através dos títulos dos discos e respectivas músicas. O resto… É obra das duas guitarras, baixo e bateria. Não há, por conseguinte, motivos para andarmos a perseguir o que se esconde atrás da muralha sonora desta banda. Ao ficar-mo-nos pela música, estamos definitivamente bem entregues.

Quatro faixas compõem o ramalhete intitulado Satan Worshipping DoomHailSatan,Worship e Doom. É esta a pista que nos deixam. Certamente não iríamos encontrar este tipo de “puzzle” num livro do Dan Brown ou do José Rodrigues dos Santos. Eles preferem encapotar, encriptar e afins. Os Bongripper optam por apresentar tudo de mão beijada: “Hail Satan, Worship Doom”. É preciso ser-se mais específico? Que tal adorar Satã, sem sequer lhe dizer uma palavra? Satírico e humorístico quanto baste, este disco tem apenas uma pretensão: estoirar qualquer sistema de som por onde passe.

Para quem permanece assombrado por dúvidas em relação à possível sonoridade deste álbum… Hail trata de as dissipar de imediato. Com quase catorze minutos de duração, esta faixa começa com uma trepidação noise, que logo desabrocha num riff pesado, pesado, pesado… Low-tuned e groovie, como ditam os livros, esta guitarrada inicial convida-nos a entrar pela porta das traseiras, rumo a uma congregação doom/sludge, onde se produz do melhor que estes dois géneros viram nos tempos recentes. Por volta dos cinco minutos, a música embate num outro riff, mais melódico, que apenas serve para antecipar o clímax: o baixo sobe o volume e acorrenta-se a uma bateria caterpillar, que escava o canal auditivo de quem a escuta, terminando em harmonia com duas guitarras possuídas que distribuem powerchords até ao silêncio que precede Satan.

E esta segunda faixa começa, também ela, com uma passagem noise, interpelada por uma secção rítmica presente em praticamente qualquer banda de black metal: um blast beat furioso. É ele que abre alas para mais doze minutos de doom violento. Na primeira metade, Satan é consideravelmente mais rápida, não é tão linear quantoHail e traz à memória, até, bandas como Black Cobra, com os seus riffs chug-chug badalhocos. Já a segunda metade recupera aquela lentidão quase drone-psicadélica, tão característica de uma Dopesmoker, repentinamente travada por um aumento de velocidade perto do fim.

A questão que irrompe pensamento adentro, por esta altura, é a seguinte: Hail eSatan, por si só, fazem deste disco um dos melhores de 2010. Só que o “problema” é que ainda vai a meio. Worship, a terceira peça deste cenário, apresenta-se como a mais longa: dezasseis minutos. E não só está ao nível das duas precedentes, como até é bem capaz de as ultrapassar. Um quarto de hora de um doom repleto de variações psych, a fazer recordar uns YOB, com vários samples e solos “mescalinezados”. É o encontro perfeito entre o peso do puro doom e a evasão mental, característica quase essencial de um bom álbum do género.

Para o fim, ficam guardados mais doze minutos de Doom; provavelmente a faixa mais drone de todo o registo,  esta música contém powerchords repetidos até à exaustão, embrulhados numa forte camada de samples e layers, que acabam, no fim, por “sufocar” todos os restantes instrumentos. Até que, do nada, eles ressurgem, para um minuto final “skullcrusher” em jeito de despedida. [Felizmente, existe o modo “repeat”.]

Os Bongripper já lançaram bons álbuns para todos os aficionados do doom/sludge/stoner. The Great Barrier Reefer (2006) – um álbum que contém uma faixa única de oitenta minutos – e Hate Ashbury (2008) são excelentes exemplos do que esta banda é capaz. Mas, passados quase seis anos desde o início da carreira, os Bongripper criaram a sua magnum opus. Será difícil bater o que conquistaram comSatan Worshipping Doom. As composições estão no “ponto” e a produção ficou, também ela, muito bem conseguida. Está suja, como se quer, mas extremamente perceptível e forte. Quando envelhecer, este álbum provavelmente será colocado na mesma fileira das grandes obras doom.

Não tendo editora e não parecendo preocupados em ganhar dinheiro com tudo isto, o Grande Bode, caso exista, saberá como recompensá-los no post-mortem.