Life is People é o mais recente álbum de Bill Fay mas, mais do que isso, este é o seu primeiro trabalho de originais em mais de 40 anos. Constatado este facto, há uma questão que se impõe: o que leva um artista a lançar um trabalho novo depois de várias décadas num silêncio criativo quase imperturbável? Por norma, sabemos que estas situações significam uma de duas coisas: a) o artista está à rasca de finanças; b) o artista produziu realmente uma obra-prima digna de registo. O caso de Fay não deixa margem para dúvidas (até porque o britânico doou antecipadamente as receitas deste disco aos Médicos Sem Fronteiras) – Life is People é uma obra-prima.

O ser humano é uma criatura complexa. Consegue conciliar sentimentos conflituantes e ao mesmo tempo, apesar da sua alegada inteligência, ter atitudes verdadeiramente irracionais. Life is People aborda essa complexidade e pega no que a humanidade tem de melhor e pior para pintar um retrato fiel à sua natureza. Da magia inocente de gestos mundanos que é relatada na grandiosa Cosmic Concerto, à faceta sanguinária e traiçoeira visível em There is a Valley; da esperança fulminante que irradia de This World até à fé inabalável que transparece de Thank You Lord; da intimidade arrepiante de Jesus, Etc. (belíssima versão de um original dosWilco) à benção sagrada de Be at Peace With Yourself … Em pouco menos de uma hora, Fay percorre todo um espectro de emoções e atitudes universais que tanto encontramos nos arquivos da História como no nosso quotidiano. Quem tem coração não fica indiferente.

Não se pense, no entanto que, por se debruçar sobre um tema tão melindroso como a essência da vida ou a natureza humana, este álbum é pretensioso, bem pelo contrário. É, aliás, aí que reside uma boa parte da sua beleza pois, apesar das metáforas e referências bíblicas, Fay não chega a ser críptico e, embora este seja um disco contemplativo e com algum misticismo, a sinceridade descomplicada com que aborda estes assuntos é desarmante. Tanto na vida como na música (e especialmente na música sobre a vida – como é o caso), a idade é um posto e este disco prova-o. O tipo de sabedoria que Fay demonstra em Life is People vem de um equilíbrio delicado entre pragmatismo e espiritualidade que apenas se alcança ao fim de uma vida longa e preenchida.

Nos dias que correm, a música é cada vez mais um produto de consumo rápido. Os lançamentos sucedem-se a um ritmo alucinante e não permitem apreciar convenientemente cada álbum. Nesse contexto, Com Life is People, Bill Fay parece querer pôr termo a esse frenesim. Assim, não sendo fruto do nosso tempo, Life is People também não é um filho do passado nem é vanguardista – é uma obra clássica para ser degustada sem pressas e, por isso mesmo, vive à margem de rótulos ou calendários pois transcende-os a todos. Life is People tanto é bom hoje, como o teria sido nos anos 70 ou será daqui a outros 40 anos – é intemporal, como aliás, todas as obras-primas o são.